Em vista de novas empresas produzindo tais objetos ou mesmo a possibilidade cada vez mais latente de tais produtos entrarem para o mercado, seria legal e moral usar robôs e realidade virtual para tratar pedófilos que já cometeram crime ou para evitá-lo?

Com o crescimento da intersecção entre bonecas eróticas e inteligência artificial, também aumenta a curiosidade sobre um assunto polêmico, mas não menos real devido à sua dificuldade em ser endereçado: pedofilia. Seria adequado produzir bonecos eróticos de crianças e adicionar inteligência artificial a eles? Segundo alguns especialistas, como a terapeuta psicossexual Juliet Grayson, sim. A questão veio em pauta após um juiz britânico julgar o caso de um homem processado por importar uma boneca erótica de criança para o Reino Unido. Para Grayson, esse tipo de objeto não deveria ser confiscado, mas sim distribuído para pedófilos.

Em entrevista para o Independent, a diretora da Organização Especialista em Tratamento para Prevenção de Abuso Sexual (StopSO), prescrever bonecos eróticos com aparência de criança para pedófilos pode ser como tratar um viciado em heroína com metadona e que ela própria não teria restrições em tratar pacientes com essas bonecas. “Eu conheço um homem que tem bonecos infantis — ele tinha dois e estava muito feliz de usá-los em vez de tocar em crianças”, declarou Grayson. “Não era muito bom, mas melhor que nada.”

Para a terapeuta, pedófilos poderiam ter acesso a esses bonecos desde que em um “ambiente controlado”. Já que os impulsos sexuais dos pedófilos não podem ser “desligados”, como afirmou Grayson, então eles precisam ser direcionados de forma correta. “Você pode dizer a um alcoólatra para que ele pare de beber e isso não irá matá-lo, mas isso não significa que ele irá obedecer. É o mesmo com heroína ou álcool ou chocolate.”

Além disso, Grayson também afirmou que preferiria chegar a um estágio no qual a sociedade pudesse aceitar que há pessoas sexualmente atraídas por crianças e, ainda assim, eles conseguem seguir as leis. Por isso, ela complementa, “é seguro par aessas pessoas admitir essa atração. Nós estaremos protegendo nossas crianças melhor quando essa pessoa é capaz de dizer a seus amigos ‘eu sou sexualmente atraído por crianças, sou um pedófilo não atuante, e estou administrando isso de forma segura e não estou fingindo de forma nenhuma. Mas para sua própria paz, não deixe seus filhos comigo sem companhia’.”

Por enquanto, Grayson não vê esse tipo de atitude e aceitação da pedofilia por parte das pessoas, o que significa que a maior parte das pessoas que são presas por esse crime, após cumprirem a pena, voltam à sociedade sem nenhum tipo de reabilitação. Mas, por outro lado, outros especialistas acreditam que a proposta de Grayson não é nem um pouco útil. De acordo com Jon Brown, head de desenvolvimento da Sociedade Nacional de Prevenção à Crueldade contra Crianças, “não há nenhuma evidência que suporte a ideia de que o uso das chamadas bonecas sexuais infantis ajude a prevenir um abusador em potencial de cometir a ofensa contra crianças reais. E, na verdade, há um risco de que essas pessoas usando bonecas sexuais infantis ou objetos realistas possam se tornar dessensibilizadas e seu comportamento se torne normalizado para elas, então elas podem continuar machucando crianças, como é frequentemente o caso daqueles que vêem imagens indecentes.”

De qualquer forma, o juiz britânico ainda assim considerou a boneca do réu “obscena” e isso fez com que muitos jornais britânicos e internacionais trouxessem isso em pauta em 2017. O problema de se dar um veredito acerca desse assunto é que mesmo as pesquisas científicas têm dificuldade em encontrar precisão porque os participantes são reticentes. De qualquer modo, estatisticamente, outros estudos ocidentais chegaram à proporção de 1 a 2% da população como sendo possíveis pedófilos.

Isso muda um pouco quando pensamos no mercado asiático, por exemplo. Em 2016, um empresário japonês chamado Shin Takagi foi à público concedendo uma entrevista ao The Atlantic sobre as bonecas sexuais infantis que ele estava produzindo para pedófilos há pelo menos dez anos e que, ao longo desse tempo, esses objetos foram responsáveis por ajudar muitos indivíduos a redirecionar seus impulsos.

No entanto, nesse mesmo artigo, há o alerta de que não existe nenhum estudo que realmente tenha mensurado cientificamente o que Takagi afirmou. Para o pesquisador de parafilia Peter Fagan da Escola de Medicina da universidade John Hopkins disse também ao Atlantic que as bonecas de Takagi poderiam, na verdade, estar “reforçando o efeito” nos impulsos dos pedófilos e, “em muitos casos, incentivá-los a ter ainda mais urgências.”

Já no caso de tecnologias como a realidade virtual ou mesmo robôs eróticos, em 2016 houve uma convenção chamada Forbidden Research justamente por conta dos assuntos polêmicos que são tratados nesse evento e que são (como devem continuar sendo) tema de pesquisa acadêmica e científica. Em um determinado momento, houve um painel intitulado “Desvio Sexual: a tecnologia pode proteger nossas crianças?” na qual dois pesquisadores discutiram a possibilidade futura de se usar robôs e realidade virtual para atender aos impulsos de pedófilos, mas inevitavelmente também caíram na discussão sobre pornografia infantil.

De acordo com o relato feito por Rutkin para o site New Scientist, o engenheiro de robótica Ron Arkin do Instituto de Tecnologia da Georgia e um dos palestrantes argumentaram que as pessoas não deveriam ser legalmente permitidas de terem esses bonecos, mas talvez alguns poderiam ser prescritos para eles. “Na opinião dele, realidade virtual e robôs eróticos poderiam funcionar como um escape para essas pessoas expressarem seus impulsos, redirecionando desejos obscuros em máquinas em vez de crianças de verdade. Se isso funcionar, pode ajudar ofensores a se reintegrarem à sociedade bem como ajudá-los a prevenir aqueles que nunca cometerem uma ofensa de o fazer.”

No caso de Patrice Renaud, psicólogo da Universidade de Montreal, alguns estudos conduzidos pelo seu time de pesquisadores chegou a usar rastreio ocular, monitores de atividade cerebral e um dispositivo que mede a pressão sanguínea nos genitais enquanto os indivíduos são expostos a conteúdos sexuais. Quando os pedófilos, esses conteúdos eram fotografias de crianças obtidas em batidas policiais. No entanto, esse estudo foi banido no Canadá e Renaud passou a usar gravações de áudio descrevendo diferentes cenas de conotação sexual. No entanto, o psicólogo acredita que ambos os métodos possuem problemas. “Fotografias reais aumentam a preocupação das pessoas sobre os menores que estão sendo retratados, bem como os problemas com o método científico: as coleções acidentais não são padronizadas. As gravações de áudio, diz ele, não são suficientemente imersivas para surtir uma resposta.”

Depois de alguns anos, Renaud começou a usar realidade virtual para determinar as preferências sexuais de uma pessoa de forma mais precisa e menos moralmente problemática do que os métodos anteriores. Nesses experimentos, homens sem desvios sexuais e criminosos foram expostos a pornografia gerada por computador enquanto suas respostas corporais eram medidas pelo time de pesquisadores. Segundo Renaud, foi possível de mensurar as preferências sexuais através desses conteúdos imersivos, já que a realidade virtual é capaz de criar o que o pesquisador chamou de “presença sexual.”

Ainda, de acordo com uma análise feita pela Mayo Clinic em 2007, métodos de tratamento tradicionais de pedófilos não demonstram grandes aquisições, como é no caso do uso de terapia cognitiva-comportamental ou mesmo castração química. Já outras pesquisas, como o artigo “Robotic Rape and Robotic Child Sexual Abuse” publicado em 2014 por John Danaher já considera as possibilidades filosóficas e criminais da atividade sexual com robôs. Mais do que considerar a possibilidade de existência dessas máquinas, o que já nem chega a ser uma dúvida para o pesquisador, a questão que fica é se esses produtos devem ser legalizados. De acordo com Danaher, existem pelo menos dois pontos de vista para esta questão: uma moralista e outra quanto àquilo que é tido como errado.

Segundo sua pesquisa, alguns princípios mais recentes de criminalização como o de Steven Wall e Antony Duff tratam que tudo aquilo que possui um caráter danoso ao moral ou que é considerado publicamente errado deve ser criminalizado. Já, por outro lado, há o argumento de que aqueles que cometem esses atos apenas com robôs podem encontrar escopo também nos princípios de criminalização de Wall e Duff. “Eles podem cair no escopo dos autores porque há motivos para se pensar que tais usos causam danos de caráter moral; e isso pode cair no escopo de que a fruição desses atos pode provocar uma insensibilidade perturbador a questões morais e sociais importantes.”

Em outras palavras, enquanto não for possível de se provar científica e empiricamente que o uso de robôs e bonecos eróticos de fato serve para atenuar os impulsos de pedófilos e estupradores, por exemplo, ficaria difícil de legislar apenas do ponto de vista moral e social da questão. De acordo com Danaher, mesmo no caso de pacientes, essa prática ainda poderia ser considerada moralmente errada, o que talvez possa ser uma opinião pública moldável no futuro caso números provem eficácia e convençam a população do contrário.

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