Para Susan Schneider, autora do livro “Artificial You: AI and the Future of Your Mind”, é difícil prever até que ponto implantes neuronais podem amplificar nossa mente ou nos destruir como seres.

Há algumas semanas, Elon Musk anunciou novas atualizações da Neuralink, sua empresa dedicada a criar um dispositivo implantável que seria capaz de conectar o cérebro humano diretamente à internet, então funcionando como “um tipo de conector da inteligência biológica e da inteligência das máquinas”. Em outras palavras, o que Musk quer fazer com a Neuralink é tornar o implante de chips cerebrais algo tão comum quanto uma cirurgia oftalmológica a laser, como comenta Susan Schneider em artigo para o Financial Times (paywall).

Essa é uma narrativa antiga e já conhecida a pesquisadores como Hans Moravec e o futurista americano Ray Kurzweil, hoje diretor de engenharia da Google e autor dos livros “A era das máquinas espirituais” e “A Singularidade está próxima”. Essa Singularidade da qual Kurzweil fala, aliás, diz justamente da capacidade de uma máquina se tornar mais inteligente que o ser humano e/ou que nós possamos nos integrar como espécie às tecnologias digitais.

Nesse sentido, Kurzweil visualiza uma espécie de utopia tecnológica na qual nossas mentes podem ser envidas a uma nuvem de dados, então nos tornando seres imortais e superinteligentes. Diante da exponencialidade das tecnologias, em especial a inteligência artificial, Musk defendeu já há algum tempo que a solução para esse cenário seria que nós, humanos, nos tornasse parte artificiais para acompanhar esse desenvolvimento e também não deixar que as máquinas saiam de controle — um medo compartilhado com Stephen Hawking, por exemplo.

Mas será que isso é realmente possível? Vemos iniciativas como a 2045, eter9, Carbon Copies ou mesmo o movimento Terasem de Martine Rothblatt e os textos de Zoltan Itsvan que levam à percepção de que, sim, estamos trabalhando na possibilidade de mesclar homem e máquina e, então, conquistar o verdadeiro estado da arte do que seria um transhumano. Para Rothblatt, em entrevista para Kurzweil, é bem possível que cheguemos a extinguir a morte até o fim deste século, por exemplo. No entanto, o que Schneider endereça em seu texto é, primeiramente, o enredo de uma ficção científica escrita por Greg Egan, no qual este aborda uma espécie de dispositivo dotado de inteligência artificial chamado “uma joia”, o qual é inserido no humano já em seu nascimento. “A joia monitora a atividade do seu cérebro de modo a aprender como imitar seus pensamentos e comportamentos. Quando você se torna um adulto, ela simula perfeitamente seu cérebro biológico.”

Nesse contexto, escreve Schneider, as pessoas acabam se sentindo confiantes de que o cérebro, afinal, é só um “dispositivo de carne” redundante, de modo que alguns indivíduos decidem remover seu cérebros cirurgicamente porque, afinal, a joia já é capaz de fazer tudo sozinha. Mas, diferente de como ocorre na ficção de Egan, Schneider sugere que suponhamos que a jóia funcione perfeitamente: “Então, quem é você? Seu cérebro ou a jóia? Não parece possível que a joia possa ser totalmente você, como seu cérebro biológico e consciência existem ao mesmo tempo. É implausível pensar que sua consciência pode magicamente ser transferida para uma jóia diante da destruição do seu cérebro. Em vez disso, é mais como se, em um momento, você decidisse remover seu cérebro e, assim, não avertidamente se matasse.”

É por conta disso que a autora acredita que uma mescla entre homem e inteligência artificial não seria possível — ou, pelo menos, não ao ponto de que o cérebro seja completamente substituído por componentes de inteligência artificial. “Sua mente não é um dispositivo backup, mesmo que ele tenha as mesmas memórias e os mesmos comportamentos”, defende Schneider. Esta é uma preocupação, aliás, que também aparece no diálogo entre Kurzweil e Martine, de modo que sua proposta é que essa transição seja feita de forma gradual, mas talvez nunca completamente. Assim como Ghost in the Shell, temos a Motoko como uma personagem que possui o corpo inteiro substituído por peças artificiais, enquanto que seu cérebro é o único órgão biológico mantido. Mesmo assim, a ficção científica que se tornou um ícone do cyberpunk não deixa de questionar: será que o cérebro é suficiente para designar o Eu dentro de uma máquina? Daí a ideia do fantasma dentro da casca ou concha, que dá título à animação.

“Você pode argumentar que pode haver uma integração limitada, removendo algumas partes do cérebro e substituindo apenas estas com componentes de IA. Mas isso, também, é problemático. Imagine que cientistas um dia inventem um novo tipo de joia — vamos chamá-la de “a Jade”. A Jade irá lentamente tomar as funções de diferentes partes do seu cérebro biológico e, conforme ela o faz, ela destrói partes de suas descargas.
Ao manter em mente nossa conclusão de que o caso da joia (de que sua mente não é sua joia), sabemos que em certo ponto neste processo, sua mente deixa de existir. Você pode aumentar sua inteligência com chips, mas sempre há um ponto no qual você irá acabar com a sua vida. Eu chamo esse evento horrível de ‘drenagem cerebral.’”

Mas até que ponto é possível de se amplificar o cérebro e não chegar à sua drenagem. Schneider cita o filósofo Derek Parfit que defende que não há um limite claro de até onde é possível de fazer essas melhorias e deixar de “existir” como um Eu. “Seria natural por volta de 15 por cento? Ou 75? Qualquer escolha parece arbitrária”, afirma a escritora.

É por isso que Schneider, que está trabalhando no livro “Artificial You: AI and the Future of Your Mind”, defende que devemos ser sempre céticos com relação à melhoria de nossos cérebros através do uso de tecnologia. “Melhorias baseadas em IA poderiam ainda ser usadas para suplementar a atividade neural, mas conforme elas avançam na substituição de funções normais do tecido neuronal, em algum ponto isso pode levar ao fim da vida de uma pessoa.”

Por outro lado, Schneider ainda acha que, se de algum modo, uma quantidade suficiente de pessoas ignorar esse risco, é possível que a sociedade ainda assim se beneficie de tal tecnologia. “Haveria indivíduos inteligentes o suficiente para seguir as computações complexas de uma IA e competir com elas como força de trabalho. Mas em um mundo como esse, as pessoas que desejarem fazer melhorias não serão aquelas que irão se beneficiar, porque elas já estarão mortas.”

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