Originalmente criados no Japão, no fim dos anos 1970, os hotéis cápsula surgiram como uma possibilidade de hospedagem de baixo custo e que atendesse a mais pessoas, daí a necessidade de se criar quartos em tamanho cápsula, por volta de 2 metros de comprimento e 1,25m de largura. Esses estabelecimentos começaram a ser abertos nos grandes centros comerciais japoneses, já que era ali que seu público-alvo se localizava.
Muitos salarymen, como são chamados os trabalhadores “colarinho branco” no Japão, passavam o dia todo no escritório e depois curtiam a noite bebendo em izakayas, uma espécie de boteco japonês para onde as pessoas costumam ir após o expediente. A proposta dos hotéis cápsula era oferecer uma estadia noturna para que esses profissionais tivessem um lugar para tomar banho, trocar de roupa e recomeçar a jornada no próximo dia por um preço igual ao que eles pagariam por uma longa viagem de trem de volta para a casa. Em vez disso, a opção seria dormir em uma cápsula individual equipada com TV e alarme, bem próximo ao trabalho.
Mais do que uma proposta de hospedagem compacta, os hotéis cápsula se espalharam pelo mundo como formato de negócio e também tomaram conta do imaginário da cultura pop, especialmente quando pensamos em obras de ficção científica. Isto porque os hotéis cápsula, desde os anos 1970, já eram desenhados para parecer hospedagens do futuro. Isso tem muito a ver com o período pelo qual o Japão atravessava.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, um novo movimento arquitetônico ganhava força no país. O Metabolismo (shinchintaisha) surgiu como uma forma de se pensar a combinação do sintético com o orgânico ao projetar megaestruturas que crescem assim como um corpo biológico.
Um dos desenvolvimentos do Metabolismo foi a criação da Nakagin Capsule Tower, um edifício composto tanto por apartamentos quanto escritórios também aos moldes de uma cápsula. O projeto assinado por Kisho Kurokawa levou apenas 30 dias para ser erguido em Tóquio no ano de 1972, sendo até hoje uma das poucas construções do movimento que permanecem preservadas. Também estes apartamentos haviam sido desenhados pensando nos salarymen solteiros, de modo que essas moradias compactas ofereciam apenas o básico, como um painel de funcionalidades para aquecimento e iluminação, gabinetes, um pequeno fogão e geladeira, televisão e um banheiro de tamanho semelhante aos de avião.
Ao se espalharem pelo resto do mundo, os hotéis cápsula perderam um pouco dessa estética mais dura do Metabolismo para ganhar um design mais digital e conectado, isto é, muito mais próximo de um ambiente interno à uma nave espacial do que uma hospedagem retrofuturista. Luzes de LED passaram a ser incorporadas na decoração, assim como espelhos, para dar um pouco mais de profundidade e amenizar a sensação de claustrofobia.
Apesar de a maioria dos hotéis apostar em uma inspiração mais astronáutica, com cápsulas feitas de plástico duro branco e uma decoração que também mantém o minimalismo e a forte iluminação como tônicas, há também exemplos como o KLIA2, no aeroporto de Kuala Lumpur, no qual a predominância do branco é substituída por preto para a criação de um ambiente mais industrial com a incorporação de contêineres como estrutura.
Assim como em hostels, também os banheiros e espaços de convivência, quando existentes, são compartilhados. Como tradicionalmente essas hospedagens foram pensadas para atender a um público mais masculino, também surgiu a oportunidade de se criar um hotel cápsula apenas para mulheres, o Nadeshiko — que, por outro lado, possui uma estética mais “aconchegante” e que mistura um tanto da cultura tradicional japonesa em sua decoração.
No Brasil, a hospedagem Capacete foi o primeiro hotel cápsula aberto na América do Sul e fica localizada no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Por US$12 o dia, os hóspedes podem desfrutar de uma cápsula, porém com uma decoração mais simples do que os modelos internacionais. Como indicado no site do estabelecimento, o formato cápsula do hotel Capacete veio como uma resposta aos crescentes valores cobrados pelo aluguel na capital fluminense, tornando-se uma opção também para hospedar os artistas que a casa recebe para sua programação cultural que inclui shows, palestras e encontros.
Em outubro, fui à Cidade do México para acompanhar as festividades de Dia das Bruxas e Dia dos Mortos, porém tive a oportunidade também de visitar no meu último dia de viagem o hotel cápsula Izzzleep, que fica no Terminal 1 do Aeroporto Internacional da Cidade do México. Não fiquei hospedada ali, mas fiz questão de pagar a opção de siesta que conta com um mínimo de 2 horas de estadia por $120 por pessoa (aproximadamente R$25), pelo menos para conhecer.
Seguindo uma mesma linha de decoração minimalista, branca e de inspiração espacial, também o Izzzleep oferece cápsulas recheadas de LEDs e espelhos, abraçando de vez a referência japonesa e da ficção científica. Por experiência própria e também pelo fato de não sofrer de claustrofobia, achei bastante confortável e certamente preferiria algo assim do que hostels em que você literalmente divide o quarto com pelo menos mais uma pessoa desconhecida.
Logo que você chega, recebe um kit com meias e tampões de ouvido, apesar de eu ter achado o isolamento acústico bastante bom e as pessoas são silenciosas o tempo todo naquele espaço das cápsulas, já que você vai pra lá justamente para dormir e relaxar.
Empresários do ramo acreditam que hotéis cápsula e/ou de dimensões mais reduzidas, como o exemplo dos quartos de hotel de 7m² no aeroporto London Gatwick, são opções mais baratas, porém ainda confortáveis, para viajantes que querem economizar na estadia — especialmente em locais tão caros como Londres.
Neste ano, também a Forbes noticiou que a previsão é que os hotéis cápsula devem chegar a um investimento de até $226 milhões. De acordo com a pesquisa de mercado feita pela WiseGuy, o Japão é, sem dúvidas, o principal player nesse mercado, porém a China também está crescendo rapidamente no setor.
Mas por que as pessoas têm optado por acomodações menores e mais simples durante suas viagens, sejam elas de lazer ou de negócios? De acordo com o pesquisador Frank Sorgiovanni, muitos viajantes só querem um quarto com o básico, como WiFi rápida, algum lugar para carregar seus dispositivos móveis e uma pequena mesa para trabalhar, se necessário. “Eles não precisam de um minibar cheio e outras amenidades como spas ou muitas opções de bebida e comida.” Segundo Sorgiovanni, esses hotéis têm conquistado cada vez mais espaço nas cidades que possuem preços mais altos para hospedagem, o que faz com que eles sejam grandes competidores de hotéis de 3 ou 4 estrelas, mas mais antiquados.
De acordo com Alex Kot, co-fundador do SLEEEP, um hotel cápsula de Hong Kong, a combinação de uma crescente densidade populacional, longas horas no trânsito e uma maior consciência sobre o próprio bem estar está fazendo com que as pessoas valorizem a qualidade do sono.
Fora isso, aponta a Forbes, os novos hóspedes dos hotéis cápsula, diferentemente dos antigos salarymen japoneses, são trabalhadores jovens e que muitas vezes fazem parte de setores criativos em grandes centros urbanos. Desse modo, é bem comum entre essas pessoas ter uma maior noção de sustentabilidade do que gerações mais antigas.
Desse modo, assim como no Japão dos anos 1970 não existia uma grande demanda por luxo, também os hotéis cápsula atuais oferecem como diferencial a tecnologia e o conforto em vez de exageros. Fora isso, como defende a reportagem da Forbes, o design futurista desses espaços tem chamado muito a atenção dos millennials — afinal, quando se pode postar uma foto no Instagram em um hotel, é muito melhor que ele pareça que você está num foguete!
Em Kyoto, hotéis cápsula já têm oferecido também amenidades com tecnologia de internet das coisas, bem como espaços de co-working que encorajam os hóspedes a criar uma comunidade e uma troca de experiência entre eles — o que é algo bem comum em um hostel, porém sem a parte da falta de privacidade na hora de dormir.
Na ficção científica, como no videogame Deus Ex: Human Revolution, essas hospedagens podem aparecer como um desdobramento distópico do aumento descontrolado da população mundial, junto aos preços de habitação cada vez mais inacessíveis e a desigualdade social ainda mais agravada. Mas não é preciso ir muito longe, já que em Londres os preços de aluguel foram motivo de greve estudantil e de ofertas como esta, em que, para dormir em um colchão no chão em um quarto compartilhado, você terá que desembolsar £430 por mês, isto é, algo como R$1.800.
Na China, a situação é ainda mais insalubre. Para além do fato de ser o país mais populoso do mundo, em Hong Kong, a densidade popular é de aproximadamente 690 pessoas por kilometro quadrado. É por isso que alguns habitantes da metrópole têm recorrido a uma opção de moradia que ficou conhecida como “casas caixão” (coffin homes), o que demonstra o lado negro do boom imobiliário. Hoje se estima que cerca de 200 mil pessoas vivem nessas condições em que quase não se é possível esticar as pernas em espaços que chegam a custar cerca de US$580 por mês.
Agora, se, por um lado, as gerações mais novas estão abrindo mão de grandes luxos, acúmulo de objetos e de gastos desnecessários, é a partir da tecnologia que se é possível de se deixar de lado o frigobar cheio de bebidas e o serviço de quarto para se ter uma Wi-Fi rápida e uma conta na Netflix ligada à smart TV dentro de uma cápsula iluminada por LEDs coloridos.
Por outro lado, contudo, essa possibilidade aliada à ideia da Lei de Moore, no sentido de que a tecnologia avança e seu preço baixa, precisa também chegar a outros lugares que não só os aeroportos e centros comerciais permeados por jovens criativos: espaços periféricos e populações de baixa renda também deveriam ser cobertos por essas soluções de moradia.
Se a tendência é agirmos de modo mais consciente ao consumirmos, entendendo que o acesso e a colaboratividade são muito mais importantes e úteis do que a posse, é necessário primeiro permitir que essas soluções sejam acessadas por outros públicos que não só o atual. Se o futuro é compartilhado e colaborativo, então que seja também inclusivo e não só eu, jovem millennial criativa e moradora de um centro urbano, possa ter acesso a isso.