Continuando o conteúdo sobre impacto positivo nas empresas, que iniciei no texto Por que as marcas devem se preocupar em gerar impacto positivo?, pude passar um dia inteiro na Mercur conhecendo um pouco mais sobre o seu modelo de gestão, a fábrica e o laboratório de inovação social.
Entendendo que as empresas são feitas de pessoas e todo processo de transição é iniciado quando uma pessoa ou um grupo de pessoas está conectado com este movimento internamente, conversei com Jorge Hoelzel Neto. Aos, 56 anos, Jorge faz parte da terceira geração da família sócia da empresa. Ex-diretor e atual facilitador da empresa, ele iniciou o processo de transição da Mercur em 2008, a partir de um processo de redesenho de posicionamento.
Para ele, impacto positivo nas empresas se dá na “valorização do contato e das relações humanas para além das questões técnicas e interesseiras”, o que torna possível a construção de uma vida mais significativa, com respeito à diversidade e acreditando que a complementaridade das pessoas constrói a abundância e o equilíbrio da riqueza. A sustentabilidade, portanto, significa “atuar em função da vida ao invés de valorizar apenas o oportunismo econômico e financeiro”.
Acompanhe a conversa:
Em que momento vocês entenderam que era importante o processo de transição da Mercur? E como foi esse processo?
Ao finalizarmos um reposicionamento da marca em 2007, percebemos que faltava algo no nosso olhar estratégico. Foi então que contratamos uma consultoria que iniciou o trabalho fazendo um diagnóstico das questões sociais e ambientais da nossa caminhada. A partir de então, iniciamos nossos estudos para ampliar nosso conhecimento sobre essas áreas em que precisávamos trabalhar.
Quais foram as principais mudanças de paradigmas antigos para novos paradigmas?
Olhar para a vida a partir de um contexto mais ampliado do que apenas o trabalho ou as matérias primas que consumimos foi a principal mudança. A partir daí, as mudanças passam a acontecer com maior coerência ao propósito.
Quais os principais desafios que vocês enfrentaram nesse processo?
O maior desafio está sempre na compreensão que as pessoas têm sobre a vida. Não é comum aprendermos a valorizar a vida para além das questões econômico-financeiras.
Na sua apresentação no TED, você fala um pouco sobre os símbolos que representam esse novo momento na empresa, como as rodas de diálogos. Pode falar um pouco sobre esses exemplos de dinâmicas que acontecem hoje na Mercur?
Quando se pretende atuar em função da vida e das pessoas é fundamental que se crie ferramentas e momentos que facilitem o diálogo e o compartilhamento de aprendizados. Neste sentido, foram desenvolvidas dinâmicas para facilitar estes encontros com “Rodas Vivas”, “Rodas de Chimarrão” e outras que pudessem ampliar o convívio das pessoas e que estimulassem a vivência da diversidade.
Nesse processo, a crise financeira dos últimos anos afetou o negócio de vocês? E quais os principais insights para passar por ela?
Acredito que a crise tem afetado a todos e não tem sido diferente para a Mercur. Mas estamos aprendendo que o importante não é o quanto se ganha, mas sim, como se gasta o que se ganha. E este processo de aprendizado se dá através do compartilhamento das responsabilidades.
Em um momento na nossa roda de diálogo, você comentou: “O lucro gera uma noção de tempo diferente e de urgência”. Como é, para vocês, a relação entre metas financeiras x direcionadores de sustentabilidade e a noção de lucro nessa nova lógica?
As metas financeiras e o lucro continuam sendo muito importantes, mas não podem se sobrepor ao propósito da empresa. Em outras palavras, as questões econômico-financeiras são a forma de podermos viabilizar o propósito que assumimos em relação à vida. Nesse contexto, o lucro aparece como resultado daquilo que se faz para valorizar a vida.
Me chamou muito a atenção o fato de vocês serem uma fábrica e a inovação não estar diretamente relacionada às instalações de produção da empresa, mas sim no processo de gestão e na busca pelas soluções de necessidades das pessoas. Era esse o foco desde o início?
Entendemos que toda a mudança de posicionamento deve iniciar pelas pessoas, pois são estas que poderão proporcionar, no futuro, as mudanças necessárias nos processos industriais. Nossa mudança não está relacionada ao o que fazemos, mas sim a como fazemos o que fazemos. Significa dizer que precisamos viabilizar a indústria para uma visão mais humana.
A borracha é a principal matéria-prima da Mercur. Pode contar um pouco sobre o processo com os seringueiros do Xingu e também com as indústrias fornecedoras? Vocês atuam no ecossistema produtivo alinhando o processo deles aos indicadores de sustentabilidade de vocês?
A compra de borracha natural na Amazônia (Acre e Pará) se dá em função da vontade de estimular um processo de geração de ocupação e renda de pessoas que estão no centro da história da borracha natural no Brasil. A produção desta matéria prima na Amazônia diminuiu muito a partir do cultivo de seringais nos estados do sudeste, que foram estimulados em função de custos mais altos e de dificuldades logísticas para o seu transporte ao centro do país. Ainda assim, nosso maior volume continua sendo adquirido no sudeste, onde estão localizadas as principais usinas de beneficiamento da borracha natural.
Pude ver um pouco mais sobre o Laboratório de Inovação social, o núcleo de aprendizagem, o projeto Diversidade na Rua e o Colabora. Conta um pouco para nós sobre o surgimento desse núcleo de aprendizagem, o Lab e os principais direcionadores para desenvolvimento dos projetos que surgem dali?
Entendemos que o processo de aprendizado é algo que deve se manter constante na nossa vida, por isto valorizamos muito espaços que possam promover as trocas de conhecimento entre as pessoas. Para viabilizar este processo, criamos o nosso LAB (Laboratório de Inovação Social Mercur), que tem a função de estimular esse processo e de ajudar a construir projetos importantes que viabilizem nosso propósito de participar da construção de
“um mundo de um jeito bom para todo o mundo.”
Muitas empresas, instituições, profissionais e pensadores da nova economia inspiraram vocês nesse processo de transição. Compartilhe com a gente alguns deles?
Temos algumas propostas influenciadoras que chamamos de “Referências Fundadoras”, as quais nos ajudam a construir o nosso mundo, como: Paulo Freire, Humberto Maturana, Ecologia Profunda, Schumacher College, entre outros.
Como é o sentimento hoje, depois de quase 10 anos desde o início dessa transição, e quais os próximos passos importantes a serem dados pela empresa nesse sentido?
Entendemos que nossa caminhada tem trazido conhecimentos importantes para continuarmos nossa empreitada de dar mais sentido às nossas vidas. Não apenas como profissionais, mas como seres humanos mais comprometidos com a vida.