O tema da FILE, Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, deste ano se define a partir da frase “O corpo é a mensagem”. Para aqueles que estudaram comunicação, devem se lembrar da famosa expressão “O meio é a mensagem” cunhada pelo teórico Marshall McLuhan em seu icônico livro Os meios da comunicação como extensão do homem (1964). A citação, então subvertida no festival para tratar da relação do corpo humano e da tecnologia (meios), acaba por conscientemente ou inconscientemente também se aproximar de outro teórico da comunicação: Harry Pross dizia que toda comunicação começa e termina no corpo, sendo ele, portanto, também um meio.
Quando usamos o termo “meio”, trazemos à tona o conceito de “medium” ou “media”, no plural. Popularmente, acabamos associando o termo mídia aos meios de comunicação (jornal, televisão etc), mas a verdade é que o próprio corpo poderia ser uma mídia, um meio, de comunicação ao manifestar mensagens, símbolos e sentimentos. É daí também que parte a semiótica como uma disciplina que estuda os signos e busca entender a mensagem, o significado por trás dos meios.
Na atual edição da FILE, percebe-se uma maior presença de obras usando realidade virtual como uma forma de fazer o visitante refletir sobre suas percepções sensoriais e sua propriocepção, isto é, sua percepção de si mesmo. Para isso, algumas instalações como Tangible Worlds, de Stella Speziali, oferecem uma experiência de imersão sensorial em que o visitante é convidado a vestir um óculos de realidade virtual e, ao mesmo tempo, tocar o interior de uma caixa, de modo a acabar intervindo também, a partir do toque, na construção daquele universo experienciado através da visão e da audição proporcionadas pela realidade virtual.
Em outros casos, como a instalação Habitat, de Josefin Lindebrink, o visitante é convidado a deitar em uma placa metálica que oscila em resposta ao funcionamento corporal do indivíduo: quando tenso em alguma região do corpo, como as costas e os quadris, o visitante pode sentir a vibração da placa e, então, ser desafiado a encontrar um equilíbrio por todo o corpo. O mesmo vale também para a instalação You are the Ocean, de Özge Samanci e Gabriel Caniglia, que se utilizam de um dispositivo leitor de atividade cerebral (Emotiv) para combinar o estado mental do visitante à visualização de um oceano que reage em tempo real.
Nem todas as obras, no entanto, buscam proporcionar uma experiência conectada ao nosso corpo como um corpo humano. Assim como se explorassem o campo da Ontologia Orientada ao Objeto, o coletivo automato.farm criou a instalação Objective Realities que combina realidade virtual com capacetes que emulam a forma de objetos domésticos, como um ventilador, uma tomada e um aspirador de pó automático. A partir do headset de realidade virtual, os participantes podem experienciar a vivência desses objetos a partir do seu ponto de vista, isto é, da maneira como se movimentam (ou não se movimentam) e o ângulo do qual observam o ecossistema de uma casa.
De forma ainda mais transgressora, a instalação Outrospectre, de Frank Kolkman e Juuke Schoorl, tem como proposta oferecer uma reconciliação com a morte ao simular uma experiência extracorpórea. Segundo os artistas, pesquisas recentes em (para)psicologia sugerem que uma das sensações experienciadas no momento da morte é a impressão de estar observando a si próprio a partir do olhar de uma terceira pessoa. Para isso, a instalação se utiliza de realidade virtual para uma interação em tempo real entre o participante e uma cabeça humana, impressa em 3D, que se aproxima e se afasta, transferindo a visão e a audição do participante para o objeto. Uma das mais intrigantes obras ali expostas, o fato de a cabeça se mexer em conjunto com a cabeça do participante e, inclusive, oferecer um espelho para que o indivíduo se veja a partir do reflexo da cabeça depois de olhar para si mesmo pelas costas é no mínimo provocador.
Disponível até o dia 12 de agosto no Centro Cultural Fiesp, a atual edição da FILE ainda conta com duas performances de autômatos pneumáticos: Arabesque e Vicious Circle, de Peter William Holden. Controlados pela pressão do ar, pernas, braços e troncos realizam uma coreografia a ser assistida a partir de diferentes ângulos, tendo como um olhar panorâmico a formação de caleidoscópios ou ainda a percepção da imparável performance de máquinas que, em movimentos bruscos, podem tanto atingir a própria destruição como ocasionar a destruição dos arredores ao se mostrarem completamente inconscientes daquilo que não é sua coreografia programada.