Se, por um lado, o horror trouxe à tona o subgênero pregnancy horror com filmes que vão desde O Bebê de Rosemary (1968) até os mais recentes Mother!e Antibirth de 2017, também a ficção científica tem o seu olhar de exploração sobre o tema da fertilidade e da gravidez. Dentre os títulos mais em voga hoje estão a série The Handmaid’s Tale, baseada no livro de mesmo nome publicado por Margaret Atwood em 1985, mas também um recente lançamento brasileiro, o filme Divino Amor com previsão de lançamento no dia 27 deste mês.
No Brasil e no mundo, assistimos a diferentes governos que tocam a questão da reprodução e da fertilidade feminina de diferentes formas: no Japão, há poucas crianças nascendo; nos Estados Unidos, diferentes estados tornaram o aborto ilegal e a perspectiva é que isso se torne uma regra nacional; no Brasil, temos um ministério precisamente intitulado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, hoje liderado pela ministra Damares Alves, a qual abertamente expressa suas opiniões com relação ao papel da mulher e da questão de gênero.
De forma sintomática, também foi recentemente publicado o romance “The Farm” de Joanne Ramos. O romance se destaca por trazer uma narrativa completamente possível, mas que é entremeada por aspectos distópicos e até mesmo de ficção científica, já que se incrementa com elementos tecnológicos. Resumidamente, o título do livro remete a um local específico, um retiro rural no qual mulheres marginalizadas são levadas para gerar com o máximo potencial os filhos daquele 1% de famílias que detêm toda a riqueza do mundo. O artigo publicado no site The Economist frisa bem o realismo problemático do enredo:
“Para Jane, um trabalho em Golden Oaks, uma elegante propriedade ao norte de Manhattan, parece bom demais para ser verdade. Ela passa seus dias vestida em cashmere, fazendo exercícios leves e se alimentando de superfoods orgânicos. Seu quarto é muito mais luxuoso do que o dormitório no Queens onde ela e sua filha recém-nascida se apertavam junto a dúzias de companheiras filipinas; o pagamento é muito melhor do que seus trabalhos anteriores. O problema é que ela teve que abandonar sua filha, abdicar de sua liberdade e carregar um bebê para uma das mulheres mais poderosas do mundo.”
Essas mulheres seguem prescrições específicas como se alimentar com dietas customizadas, usar uma pulseira para monitorar seus níveis de atividade e máquinas vestíveis que tocam sinfonias de Mozart e discursos de Churchill diretamente ao útero — tudo isso como estratégia para potencializar o feto. Todas as mulheres são subjugadas também a uma vigilância eterna performada por câmeras espalhadas por todo o local. A única vantagem que uma mulher, na história de Ramos, pode ter é ser branca e, particularmente, se fizeram faculdade.
Curiosamente, como apontado pela reportagem, a autora do livro tem um histórico de ter trabalhado com economia e, inclusive, tendo colaborado com a The Economist. Agora, no entanto, através da ficção, Ramos explora as questões da riqueza e suas influências no mundo. “Em um capítulo no qual uma prima mais velha e mais esperta de Jane, Ate, explica a arte de gerar um bebê de alto padrão é especialmente incisiva: ‘Eles irão te dizer para ‘se sentir em casa’ — mas eles não querem que você se sinta em casa!’ Mas o livro é sutil demais para ser uma sátira; em vez disso, ele se transforma em um suspense. Jane fica cada vez mais preocupada com o bem estar de sua filha, assim como o leitor descobre coisas sinistras que a Golden Oaks pode chegar a fazer por seus clientes.”
Outra questão levantada pela reportagem da Economist é que a própria autora teve sua família emigrada da Filipinas para Wisconsin quando ela tinha seis anos, então sua história é compartilhada a partir das quatro personagens principais. Tanto Jane quanto Ate, que haviam emigrado para os Estados Unidos décadas antes para ajudar seus filhos ainda na Filipinas, depois conhecem Reagan, uma mulher branca e jovem que se torna colega de quarto de Jane em Golden Oaks, bem como Mae Yu, uma mulher de 30 e poucos anos que comanda a unidade enquanto planeja seu casamento perfeito. “Seria fácil reduzir essas três personagens a arquétipos, mas Ramos as preenche com afeto, sensibilidade e uma presença de voz. Juntas, essas mulheres contam a história de uma América na qual ‘você precisa ser forte ou jovem se você não é rica.’”
De fato, tão factível que assusta. Ou, em outras palavras, a realidade consegue ser mais assombrosa que a ficção.