Em artigo publicado no site The Guardian, Andy Beckett resgata a origem do movimento e comenta o status atual dessa corrente filosófica que nasceu da ficção científica e se tornou uma unidade no departamento de filosofia da Universidade de Warwick.

Em uma das minhas palestras sobre ficção científica e futurologia, fui confrontada com a pergunta sobre minha opinião a respeito do Aceleracionismo. Confessei que não conhecia muito bem o conceito e que, por algum motivo, ele me parecia algo meio “conspiratório”, mas diante do meu desconhecimento, resolvi que faria o dever de casa e traria aqui um panorama desse conceito que tem ganhado relevância no âmbito da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico.

Um bom ponto de partida é o artigo Accelerationism: how a fringe philosophy predicted the future we live in, publicado no site The Guardian. Escrito por Andy Beckett, o texto resgata a origem do termo no livro de ficção científica Lord of Light, publicado em 1967 pelo escritor americano Roger Zelazny. Em meio à efervecência hippie e à influência da mitologia hindu e de referências cósmicas, Zelazny trouxe em sua ficção alguns cenários de futuro e posicionamentos políticos que convidavam à reflexão. Na história, somos apresentados a um certo grupo de revolucionários que queria levar a sociedade a “um novo patamar” ao transformar a atitude das pessoas diante da tecnologia — a esse grupo, Zelazny deu o nome de Aceleracionistas.

Apesar de sua obra ter sido esquecida com o tempo, cada vez mais, ao longo das décadas seguintes, a noção de que a ficção científica tinha um grande impacto sobre a inovação tecnológica se firmava, por exemplo, a partir de depoimentos e visões de futuro apresentadas por grandes nomes como Arthur C. Clarke e JG Ballard, que em 1971 disse que “o que os escritores de ficção científica moderna inventam hoje, você e eu estaremos fazendo amanhã.”

Como aponta Beckett em seu texto para o The Guardian, ao longo dos últimos cinquenta anos e, especialmente, durante os últimos anos, começamos a evidenciar mudanças cada vez mais rápidas acontecendo no mundo. A isso se incluem padrões de trabalho, ciclos políticos, tecnologias do cotidiano, hábitos de comunicação e dispositivos, redesenho de cidades, aquisições e descarte de possessões — tudo isso, como defende Beckett, foi acelerado.

Ao mesmo tempo, nesse mesmo período de cinquenta anos, o aceleracionismo como corrente filosófica também cresceu alheio à mídia e à academia. Para isso, as noções da ficção de Zelazny foram aperfeiçoadas e transformadas de um grupo especulativo para um movimento real por uma nova visão diante do mundo contemporâneo e suas potencialidades. Nesse sentido, o que os aceleracionistas do mundo real defendem é que “a tecnologia, especialmente a tecnologia computacional, e o capitalismo, particularmente o mais agressivo e com variedade global, deve ser massivamente acelerado e intensificado — seja porque é a melhor forma de avançar a humanidade ou por que não há outra alternativa.”

Segundo Beckett, aceleracionistas são a favor da automação e da mescla entre seres humanos e máquinas, o real e o virtual (ou digital). Para isso, eles também frequentemente defendem a desregulamentação de negócios e a participação do governo na economia. “Eles acreditam que as pessoas devem parar de se iludir de que o progresso econômico e tecnológico pode ser controlado. Eles frequentemente acreditam que a disrupção social e política tem um valor em si mesma”, escreve o jornalista.

“O aceleracionismo, portanto, vai contra o conservadorismo, o socialismo tradicional, a democracia social, o ambientalismo, protecionismo, populismo, nacionalismo, localismo e todas outras ideologias que foram pensadas para moderar ou reverter o já imensamente disruptivo e aparentemente desesperado ritmo de mudança do mundo moderno. ‘O aceleracionismo é uma heresia política’, escreve Robin Mackay e Armen Avanessian na introdução de #Accelerate: The Accelerationist Reader, um livro às vezes desconcertante, às vezes exasperador, publicado em 2014 e que continua sendo o único guia confiável do movimento.”

Assim como outras heresias, continua Beckett, também o aceleracionismo possui diferentes gerações de aderência: as ideias são passadas entre as pessoas, algumas delas sendo refinadas enquanto outras são renunciadas. Em alguns casos, comenta o autor, os envolvidos usam uma comunicação própria e se reúnem em torno de figuras dominantes, o que gera a criação de facções e diferentes movimentos que se espalham em países como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Itália e França. Seus membros já publicaram livros, ensaios, publicações, manifestos, blogs e geraram discussões em redes sociais — tudo de uma maneira, de acordo com o julgamento de Beckett, na qual é difícil de identificar se é um enredo de uma ficção distópica ou um diálogo sobre política, cultura e teoria econômica.

Aceleracionistas também já fizeram parte de corpos docentes em universidades, bem como são organizadores de eventos esporádicos nos quais compartilham com o público quais são as suas ideias e, com essas pessoas, também aprender como aprimorar seus métodos. Alguns desses encontros estão registrados no YouTube, sendo eles descritos por Beckett como “filmagens distorcidas de jovens intensos conversando mesmericamente sobre o futuro, frequentemente ao som de música eletrônica e ativações visuais abstratas no fundo, muitas vezes para audiências desconcertadas em salas de aula mal iluminadas.”

Por muito tempo, no entanto, talvez pudéssemos contar apenas com algumas poucas dúzias de aceleracionistas atuantes ao redor do mundo. Essa classificação só se tornou mais popular a partir de 2010, quando o termo surgido na ficção de Zelazny foi endereçado por Benjamin Noys, um dos principais críticos do movimento.

Ao longo dessa década, porém, os aceleracionistas têm se focado especialmente em questões do fim do século 20 e começo do século 21, como é o caso do “crescimento da China e da inteligência artificial, o que significa ser humano em uma era de dispositivos eletrônicos invasivos e viciantes, o aparentemente incontrolável fluxo dos mercados globais, o poder do capitalismo como uma rede de desejos, o crescente apagamento dos limites entre o imaginário e o factual, a reconfiguração de nossas mentes e corpos a partir das cada vez mais velozes músicas e filmes, e a cumplicidade, repulsa e excitação que tantos de nós sentimos sobre a velocidade da vida moderna.”

Para o aceleracionista britânico Steve Goodman, todos nós já vivemos em “um sistema operacional programado pela tríade aceleradora da guerra, do capitalismo e da inteligência artificial emergente.” Goodman, aliás, como comenta Beckett, levou muitas de suas ideias para a cena da dance music ao criar a famosa gravadora Hyperdub. “Você gostando ou não, somos aceleracionistas hoje”, reflete Steven Shaviro, crítico do aceleracionismo e autor do livro No Speed Limit, publicado em 2015, e que trata do movimento.

No entanto, como lembra Beckett, a celebração da tecnologia e da velocidade do desenvolvimento pode ter seus riscos, como aconteceu com os artistas do futurismo italiano que, no século passado, ao mesmo tempo em que estavam encantados pelas máquinas da era industrial também acabaram se envolvendo com o fascismo. Ainda que as obras criadas pelo movimento até hoje sejam apreciadas, o movimento nunca realmente recuperou uma boa reputação.

Algo parecido também aconteceu com o filósofo britânico Nick Land, que dava aula na Warwick University nos anos 90 e, de repente, deixou a academia. Desde então, ele tem atuado na internet, apesar de nem sempre usando seu próprio nome. Seu foco tem sido em temas como uma suposta obsolescência da democracia ocidental, a ideia da “diversidade humana” e da “seleção capitalista da humanidade”, a qual se trata de uma ideia pseudocientífica e popular entre os simpatizantes da extrema direita de que diferentes raças também possuem “naturalmente” um diferente valor no mundo moderno. Por outro lado, Land também defende a suposta inevitável “desintegração da espécie humana” conforme a inteligência artificial se desenvolve.

Como consequência, muitos aceleracionistas se distanciaram de Land, como é o caso de Iain Hamilton Grant, que foi um de seus alunos na Warwick e que hoje é professor de filosofia na University of the West of England. “Eu tento não ler as coisas que ele escreve. As pessoas [no movimento aceleracionista] estão envergonhadas. Elas acham que ele fala como um assassino. Qualquer um que seja aceleracionista, que reflita sobre isso, pensa: ‘Quão longe é longe demais? Mas então até mesmo fazer essa pergunta é uma oposição ao aceleracionismo”, defende Grant e, como complementa Beckett, o aceleracionismo, afinal, não é sobre limites.

Mesmo sendo crítico do aceleracionismo, Benjamin Noys não deixa de assumir que ele é um movimento sedutor e, diante de um momento impaciente como o atual, “aceleracionistas sempre parecem ter uma resposta. Se o capitalismo está indo rápido, eles dizem que precisa ir mais rápido. Se o capitalismo encontra uma pedra no meio do caminho e desacelera (assim como aconteceu na crise financeira de 2008), eles dizem que precisa de um novo impulso.”

No caso da eleição de Donald Trump e sua conduta ultracapitalista e contrária a políticas governamentais, alguns acreditam que isso seja a primeira manifestação mainstream da política aceleracionista. Mais recentemente, Noys notou que essas ideias aceleracionistas têm ressoado em diferentes âmbitos, desde círculos positivos com relação à tecnologia até outros nichos de elite libertária e de extrema direita nos Estados Unidos. Já em blogs da direita alternativa, é o nome de Nick Land que se torna referência. De acordo com Beckett, “comentaristas notaram, com excitação, as conexões entre algumas ideias [do aceleracionismo] e o pensamento de ambos os casos do libertário bilionário do Vale do Silício Peter Thiel e o estrategista iconoclasta de Trump, Steve Bannon.”

“‘No Vale do Silício’, diz Fred Turner, um proeminente historiador das indústrias digitais americanas, “o aceleracionismo é parte de um movimento muito maior que está dizendo que nós não precisamos mais da política [convencional], que nós podemos nos livrar da ‘esquerda’ e da ‘direita’, se conseguirmos usar a tecnologia corretamente. O aceleracionismo também se conecta à maneira como dispositivos eletrônicos são comercializados — a promessa de que, finalmente, eles vão nos ajudar a abandonar o mundo material, toda a bagunça da fisicalidade, para trás.’
Para Turner, o interessante no aceleracionismo é muito mais antigo do que moderno: ‘Eles estão falando um idioma milenar,’ prometendo que uma mudança vaga e universal está em nossas mãos. Noys alerta que os aceleracionistas estão tentando ‘reclamar o futuro’.”

O mais curioso é que Andy Beckett, em seu artigo, propõe que o próprio Marx teria sido o primeiro dos aceleracionistas. Para o autor, o Manifesto Comunista publicado pelo filósofo alemão em 1848 demonstrava tanto um cerco choque quanto um medo do capitalismo, com sua “constante revolução da produção” e uma “ininterrupta perturbação de condições sociais”. Marx, portanto, teria enxergado essa crescente intensidade do capitalismo como um prelúdio essencial ao momento em que o cidadão comum seria “finalmente compelido a encarar… a verdadeira condição de sua vida” e, assim, iniciar uma revolução.

No entanto, de maneira menos ortodoxa, o que se pode resgatar como alguns dos primeiros sinais do aceleracionismo está na França dos anos 1960. Como explica Beckett, “balançada pela falha da revolta da esquerda em 1968, e aparentemente diante de um boom econômico pós-guerra no ocidente, alguns marxistas franceses decidiram que uma nova resposta ao capitalismo era necessária.”

“Em 1972, o filósofo Gilles Deleuze e o psicanalista Félix Guattari publicaram Anti-Édipo. Era um livro incansável, explosivo e muito sedutor, o qual sugeria que, em vez de simplesmente se opor ao capitalismo, a esquerda deveria aceitar sua habilidade de liberar e também oprimir pessoas, e então procurar fortalecer essas tendências anárquicas ‘para ir ainda mais longe… no movimento do mercado… para ‘acelerar o processo’.
Dois anos mais tarde, outro marxista francês desiludido, Jean-François Lyotard, continuou o argumento de forma ainda mais provocativa. Seu livro de 1974, Economia Libidinal, declarava que até mesmo os aspectos opressivos do capitalismo eram ‘apreciados’ por aqueles que têm suas vidas reordenadas e aceleradas pelo sistema. Além disso, não há outra alternativa: ‘O sistema do capital é, quando tudo está dito e feito, natural.”

Tanto o livro de Deleuze e Guattari quanto o livro de Lyotard foram considerados polêmicos na França, quando lançados. Mais tarde, em 1980, a dupla de autores lançou Mil Platôs como um alerta de que o excesso de aceleração do capitalismo poderia “sugar a sociedade em ‘buracos negros’ de fascismo e niilismo.” Ao mesmo tempo, porém, no Reino Unido, Anti-Édipo e Economia Libidinal foram vistos de outra forma. Depois de a filosofia contemporânea francesa ter sido por tanto tempo ignorada pelos britânicos, foi em 1983 e 1993 que essas obras foram traduzidas para o inglês, o que fez com que pensadores locais visualizassem nos escritos dos filósofos franceses uma revelação. Foi o caso também de Iain Hamilton Grant, que teve contato com o livro Economia Libidinal nos anos 90, durante o mestrado. “Eu não podia acreditar naquilo! Um livro escrito por um marxista dizendo que ‘não há nenhum caminho fora esse’, ou seja, o capitalismo, e que todos nós somos pequenos pedaços de desejos arquitetados dispostos nesse grande sistema — era o primeiro, até onde eu sabia.”

Era nessa Warwick dos anos 90 que Nick Landa ministrava aulas teatrais e “estranhas”, de acordo com Beckett: “ele subia em cadeiras e falava, ou então sentava-se sobre as carteiras, balançando para frente e para atrás. Ele também apimentava seus pronunciamentos com humor negro. Ele dizia à audiência, ‘eu trabalho no campo dos Estudos do Colapso da Civilização Oriental’. Um quarto de século depois, alguns ex-estudantes de filosofia de Warwick ainda falam sobre ele com admiração. Robin Mackay diz, ‘acho que ele era um dos mais importantes filósofos dos últimos 50 anos.’”

Apesar disso, como já comentado, o pensamento de Land sofreu uma reviravolta nos anos 90, quando ele deixou de escrever seus textos muito mais orientados a filósofos do século 18 e 19, como Nietzsche, para seguir a nova onda do aceleracionismo consolidado pelos novos radicais que chegavam ao departamento de filosofia da Warwick em meados dos anos 90. Um deles era Sadie Plant, uma ex-professora de estudos culturais da Universidade de Birmingham e que tinha como foco a pesquisa da cultura pop moderna. Outro era Mark Fisher, um ex-aluno de Plant, sendo que ambos se tornaram parceiros de Land na mesma década.

“Como Land, Plant e Fisher também leram os aceleracionistas franceses e também se tornavam cada vez mais hostis àqueles que se sentiam mais representados pela esquerda tradicional e pelas ideias liberais nos departamentos britânicos de ciências humanas, bem como ao redor do mundo. Diferente de Land, Plant e Fisher eram tecnófilos: ela tinha um dos primeiros computadores da Apple, ele era um dos primeiros adeptos do celular. ‘Computadores… seguem caminhos aceleradores e exponenciais, proliferando, miniaturizando, conectando-se entre si’, escreveu Plant em Zeroes and Ones, um livro cafeinado de 1997 sobre o desenvolvimento da computação. Plant e Fisher eram também fãs comprometidos da crescente e movimentada dance music dos anos 90 e os filmes de ação, os quais eles viam como formas de arte popular que incorporavam as possibilidades da nova era digital.”

Ao mesmo tempo, os anos 90 foram marcados pela chegada da internet ao consumidor e a ideia de que o capitalismo havia triunfado sobre o comunismo com o fim da Guerra Fria. A percepção era de que o futuro era tecnológico, moldado por computadores e globalização se espalhou pela academia britânica e americana, bem como no âmbito político, sendo que os aceleracionistas de Warwick, portanto, tornavam-se a vanguarda desse novo mindset.

Porém, nos Estados Unidos, o aceleracionismo ganhou um estilo caracterizado por revistas de capa colorida, como a Wired, que promoviam a “ideologia californiana”: “o argumento otimista de que o potencial humano poderia ser totalmente liberado com a tecnologia digital.” Já no Reino Unido, esse otimismo influenciou uma nova onda de trabalhadores e, na Warwick, por outro lado, as profecias se tornaram mais obscuras. Segundo Plant, um dos motivos era “precisamente para reprimir essa utopia animada dos anos 90, muitas das quais se pareciam bastante conservadoras.” Tal visão defendida por Plant, explica Beckett, vinha a partir do desejo cultivado por homens antiquados de encontrar a salvação através de gadgets. “Queremos um mundo mais aberto, confuso e complicado, não uma nova ordem brilhante.”

Tal pessimismo britânico tinha a ver com o próprio contexto nacional durante os anos 90, no qual a tecnologia e o capitalismo eram vistos como forças intensas tentando consumir um corpo já decrépito. Para analisar esse momento, porém, Plant, Fisher, Land e quase 30 anos da Warwick fundaram a Unidade de Pesquisa de Cultura Cibernética, uma das principais referências da intelectualidade britânica na história recente.

“O CCRU existiu como uma entidade totalmente funcional por menos de cinco anos. Por algum tempo, ele estava baseado em um único escritório nos estreitos corredores do departamento de filosofia de Warwick, do qual ele era parte não-oficial. Mais tarde, os administradores da unidade alugaram uma sala no centro, perto do Lamington Spa e acima de uma loja da Body Shop.

Por décadas, tentadoras referências ao CCRU foram feitas em sites de política e cultura, publicações de música e arte, e outras partes mais intelectuais da imprensa. ‘Há grupos de estudantes na casa dos 20 que resgatam nossas práticas’, diz Robin Mackay. Desde 2007, ele lidera uma respeita editora de filosofia, Urbanomic, com edições limitadas de antigas publicações do CCRU e novas coleções de escritos proeminentes do CCRU entre seus produtos.

O CCRU era ciente de sua imagem desde o começo. O nome foi deliberadamente lapidado com um aspecto militar ou robótico, especialmente já que seus membros começaram a escrever e fazer referências a si mesmos como um coletivo, sem usar artigo definido, como ‘Ccru’. Em 1999, sua história foi resumida pelo simpatizante jornalista musical Simon Reynolds em seu conciso e descorporizado estilo que era sua marca: ‘Ccru… surge em outubro de 1995, quando usa Sadie Plant como uma tela e a Universidade de Warwick como um habitat temporário… Ccru se alimenta de estudantes da pós-graduação + acadêmicos avariados (Nick Land) + pesquisadores independentes…”

Dentre as leituras cultivadas pelo grupo estava o livro Neuromancer (1984) de William Gibson. Segundo Grant, o icônico romance cyberpunk se tornou viral entre os membros do CCRU, o que diz muito como a ficção científica sempre esteve entremeada à narrativa do aceleracionismo. Consequentemente, em 1996 o CCRU também começou a trabalhar com “cinema, complexidade, moedas, dance music, dinheiro eletrônico, criptografia, feminismo, ficção, imagens, vida inorgânica, jungle, mercados, matrizes, microbiótica, multimídia, redes, números, percepção, textos, troca, vídeo, virtualidade, guerra”, todos assuntos que, segundo Beckett, são populares e até uma fixação da política contemporânea. “Nós sentíamos que éramos as únicas pessoas no planeta a falar sobre esse tipo de coisa seriamente”, dizia Grant há duas décadas. Nas palavras de Beckett, o CCRU era uma espécie de liga metálica flexível e intelectual, assim como o androide multiforme de Terminator 2 (1991), o qual, aliás, se tornou uma referência querida entre os membros do grupo.

“O principal resultado da pesquisa frenética e promíscua do CCRU foi um cinturão transportador de artigos crípticos, abarrotados de termos inventados, às vezes especulativos ao ponto de serem ficcionais. Um típico texto de 1996, Swarmachines, incluía uma seção sobre jungle, a então mais intensa linha da música eletrônica: ‘O jungle funciona como um acelerador de partículas, frequências de som sísmicos criando um ruído celular que imerge o corpo… rebobina e recarrega o tempo convencional na velocidade de blips de silicone… Não é apenas música. Jungle é um diagrama abstrato do porvir planetário inumano.”

Devido ao trabalho nada ortodoxo dos acadêmicos associados ao CCRU, a impressão que estes deixavam aos outsiders era de que se tratava de algo caótico e sem sentido. Sua existência no departamento de filosofia tornava a situação bastante dividida, já que muitos professores detestavam Nick Land e, consequentemente, os estudantes também aprendiam a não gostar de um dos líderes do CCRU. Com a saída de Land também da Universidade de Warwick, vários outros membros do CCRU abandonaram o grupo e sua sala de reuniões em cima da loja da Body Shop. Segundo Beckett, foi a partir daí que eles deixaram o aceleracionismo para entrar em um “vórtex de ideias esotéricas mais antiquadas, retiradas do ocultismo, numerologia, os abismais romances de horror americano do escritor HP Lovecraft e a vida do místico inglês Aleister Crowley, que nasceu em Leamington, em uma casa de terraço cavernosa para qual vários membros do CCRU se mudaram.”

“‘O CCRU se tornou quase um culto, quase uma religião’, diz Mackay. ‘Eu os abandonei antes de se tornar pura loucura.’ Dois dos principais textos do grupo foram sempre o romance Coração das Trevas de Joseph Conrad e a adaptação cinematográfica, Apocalypse Now, que colecionou seguidores e opositores ao redor do mundo e da convencional sanidade que parecia letalmente glamourosa. No andar de cima, Land e seus estudantes desenhavam diagramas ocultistas nas paredes. Grant descreve como um ‘regime punitivo’ de muita reflexão e bebida levou vários membros a sofrerem crises mentais e físicas. O próprio Land, depois de mais tarde descrever aquilo como ‘talvez um ano de abuso fanático’ da ‘substância sagrada anfetamina’ e ‘prolongada insônia artificial… devotada às fúteis práticas de ‘escrita’, sofreu um colapso no começo dos anos 2000 e desapareceu da vista pública.”

Segundo Beckett, Land deixou o Reino Unido para morar em Taiwan e depois em Shanghai, onde vive até hoje. Aproveitando seu novo lar e vivência, Land também publicou um artigo no jornal de língua inglesa, Shanghai Star, no qual definia a fusão moderna do marxismo e do capitalismo na China como “o maior mecanismo político de desenvolvimento social e econômico que o mundo já conheceu.” Ainda na época de Warwick, Land também tratava daquilo que ele chamava de neo-China como um ideal do que seria essa sociedade aceleracionista: “fixada pela futuro e mudando velozmente.” Diante da maneira como o governo chinês funciona atualmente, no entanto, a apreciação de Land faz com que se entenda que sua simpatia anterior por uma agenda libertária deixou de existir.

Por outro lado, ex-membros do CCRU, como Suzanne Livingston, seguiram carreiras menos controversas ao se doutorar em robótica e inteligência artificial, de modo que passou a colaborar com corporações como a Sony e Ericsson. Já Steve Goodman criou sua gravadora de música eletrônica Hyperdub em 2004 e começou a lançar discos de dubstep que, por vezes, demonstram possuir uma raiz aceleracionista. “É como uma cebola. Nossa audiência é convidada a descascar quantas camadas ela quiser — algumas farão seus olhos lacrimejarem, então não forçamos a barra.”

Ainda no centro do aceleracionismo britânico, porém, Robin Mackay continua publicando textos através da Urbanomic e continua em contato com seus antigos colegas de CCRU. Aos 43 anos, ele vive em uma cidade do interior da Inglaterra e continua defendendo Land. “O aceleracionismo é uma máquina de oposição ao pessimismo. Considerando possibilidades inéditas, você pode se sentir menos deprimido pelo presente”, ele revela a Beckett, também comentando ter passado por períodos de depressão junto de seu amigo, Mark Fisher, que se matou em janeiro deste ano.

“No fim de sua vida, Fisher estava cada vez mais preocupado pela ideia de que o Reino Unido não estava dando um grande passo adiante, mas estava estático. Diante de toda frenesi da vida moderna, às vezes até os países mais desenvolvidos ainda vivem o oposto dos tempos acelerados: os mesmos partidos parecem estar perpetuamente no poder; o mesmo capitalismo lerdo, ainda lutando por um pico uma década depois da crise financeira; os mesmos anseios dos bons e velhos dias, expressados pelos apoiadores idosos do Brexit e esquerdistas nostálgicos.
Mesmo o pensamento do arque-aceleracionista Nick Land, que hoje tem 55 anos, parece estar desacelerando. Desde 2013, ele se tornou um guru para o movimento neoreacionário da extrema direita americana, ou NRx como eles frequentemente se nomeiam. Neoreacionários acreditam na substituição das modernas nações-estado, democracias e burocracias governamentais por cidades-estado autoritárias, as quais soam em blogs neoreacionários como idealizados reinos medievais semelhantes aos enclaves modernos como Singapura.”
Em 2013, comenta Beckett, Land publicou um ensaio sobre o movimento, dando-lhe o nome teatral de “O Iluminismo Obscuro”, o qual se tornou amplamente conhecido como um dos documentos fundantes dos grupos neoreacionários. Land argumenta que ocorrências como a eleição de Trump e o Brexit são desdobramentos que os aceleracionistas deveriam apoiar já que isso faria com que o status quo se acabasse. No entanto, nem todos compram esse argumento de Land, como é o caso do aceleracionista Ray Brassier: “Nick Land deixou de argumentar sobre como a ‘política está morta’, 20 anos atrás, para essas coisas antiquadas e tradicionalmente reacionárias.”

Tudo isso, para Beckett, parece não ser assim tão novo. Ele lembra, por exemplo, que em 1970 o escritor americano Alvin Toffler, conhecido como um expoente da futurologia (que Becket chama de “um primo intelectual mais divertido do aceleracionismo), publicou o livro Future Shock, no qual ele tratava das possibilidades e ameaças das novas tecnologias. “Toffler previu a iminente chegada da inteligência artificial, criogenia, clonagem e robôs trabalhando detrás de balcões de check-in nos aeroportos. ‘O ritmo da mudança acelera’, conclui uma versão em documentário do livro, com uma levemente teatral narração feita por Orson Welles. ‘Nós estamos vivendo uma das grandes revoluções na história — o nascimento de uma nova civilização”, escreve Beckett.

Curiosamente, foi em 1973 que ocorreu a crise do petróleo e o capitalismo global não acelerou novamente por quase dez anos. Diante dessa constatação, Beckett ironiza que ainda estamos esperando por essa “nova civilização” prometida por Toffler. De qualquer maneira, seu livro teve milhões de cópias vendidas, talvez uma conquista que algum aceleracionista também atinja, algum dia.

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