Há mais de 10 anos, concertos virtuais apontam o caminho para o futuro do entretenimento e do fazer artístico, mas foi nesse sábado que o formato fez história ao reunir milhões de usuários no jogo Fortnite.

Pelo menos desde 2008, concertos virtuais já acontecem em diferentes jogos e plataformas como Second Life e Minecraft, como foi o caso do Coalchella e do Firefest. No entanto, neste último sábado, um novo concerto virtual realizado no jogo Fortnite fez história ao reunir 10 milhões de espectadores para assistir à performance do artista de EDM Marshmello. Esses números, conforme indica o site Futurism, ultrapassam em 25 vezes a quantidade de pessoas que foram ao Woodstock em 1969.

Um das primeiras performances, porém, foi realizada pela banda londrina Redzone no jogo Second Life em 2008. A ideia, àquela época, era transmitir tanto o concerto virtual com novas animações que incluíam instrumentos como teremim e violino elétrico, ao mesmo tempo em que a banda também estaria fazendo um show presencial na capital inglesa. O evento foi confirmado no Thevenues, um local não tão convencional para apresentações de bandas, mas era a escolha perfeita para criar a ambientação dessa experiência que culminaria em um último ato na casa Black Sun, criada justamente em inspiração ao romance Snow Crash de Neal Stephenson, no qual também há a descrição de um concerto virtual feito pelo artista fictício Vitaly Chernobyl.

Foi no ano seguinte que o músico Taylor Shechet descobriu sobre os concertos virtuais a partir da notícia dada pela Wired e também pelo contato com um dos colaboradores de seu projeto à época, o NVR-NDR. Bjorn Littlefield Palmer (AKA Kawaiietly Please / Ono-Sendai) estava trabalhando como administrador de uma ilha virtual parte do jogo Second Life e, por isso, ele decidiu mostrar a Shechet alguns dos sets de DJs transmitidos no jogo. Foi, então, a partir da tour da Redzone e desses experimentos que os artistas começaram a planejar novos projetos focados especialmente na cena digital e virtual, como foi o caso de quando, em 2012, Shechet se aproximou de artistas de gêneros puramente digitais como o witch house e o seapunk.

Para Shechet, concertos virtuais são um formato excelente para artistas porque os custos de se organizar um evento como esse são menores e a possibilidade de alcançar mais pessoas é maior. “Também é possível de se fazer coisas que não podem ser feitas na vida real, como voar ou nadar em piscinas de gosma iridescente responsiva à música”, ele comenta. E com o sucesso do concerto virtual realizado por Marshmello, Shechet consegue também enxergar uma nova era para os músicos. “O sucesso do concerto virtual no Fortnite é um grande momento para concertos virtuais. Mais de 10 milhões de participantes certamente é um número convincente para os investidores”, ele comenta.

Coalchella, festival de música realizado no Minecraft em 2018.

Do ponto de vista técnico, Shechet também diz que os eventos realizados no Fortnite são impressionantes, no entanto, ainda há alguns problemas técnicos que impedem que concertos virtuais se tornem mais disseminados. Isto é, o problema não está na disposição dos artistas em testar esse novo formato, mas sim as questões técnicas e também os desafios culturais que envolvem a adoção desse formato acima da experiência do show presencial.

De qualquer forma, o que se vê é que, ao mesmo tempo em que concertos virtuais começam a ganhar proeminência, também artistas virtuais, como a personagem Hatsune Miku, tem viajado o mundo para realizar concertos holográficos, assim invertendo a lógica do virtual participando do “real”. No caso dos concertos virtuais, a ideia é levar o “real” para o virtual e explorar as particularidades dessa plataforma, como Shechet comenta: “Muitos artistas têm uma imaginação incrível e o mundo virtual dá a eles a possibilidade de realizar suas ideias que antes não eram viáveis do ponto de vista físico.”

Outra questão é que, como já visto em iniciativas como a Boiler Room ou mesmo o projeto brasileiro Atraves, dedicar-se ao formato digital e virtual é uma consequência da descentralização da cultura pop desde a inserção e popularização da internet. Como explica Shechet, muitos artistas (em especial os independentes) acabam reunindo bases de fãs consideráveis, mas que não estão concentradas em algum espaço físico, como uma cidade ou um país. No entanto, ainda assim, questões técnicas e o receio de as pessoas experimentarem novas plataformas e formatos podem ser um empecilho na popularização dos concertos virtuais. “Conversar numa sala de bate papo não é a mesma coisa que ver seus amigos em um show. Esse problema é parcialmente resolvido em plataformas de show em realidade virtual como a Wave VR, o que melhora o senso de presença em um local com outras pessoas”, explica o artista.

E é por conta desses intercâmbios entre virtual e real (ou físico) que Taylor Shechet, que inclusive já trabalhou com a equipe da Hatsune Miku durante um tour nos Estados Unidos, prefere usar o termo XR, geralmente usado para mixed reality ou realidade mista. Originalmente, o artista entendia que o X era algo como desconhecido, assim como a variante x usada na matemática, no entanto, mais tarde, a letra ganhou outro sentido para ele. “Entendi que o X pode também significar uma cruz, o que o torna um termo muito inclusivo para todas as configurações através das realidades.”

Em outras palavras, o que essa transição entre os formatos virtuais e reais (ou físicos) aponta é, justamente, essa inclusão e dissolução entre o real e o virtual: ao mesmo tempo em que milhões vão a uma casa de concertos assistir a um holograma que viaja o mundo, também milhões assistiram à performance virtual do DJ Marshmello neste último sábado. Ao se juntar a relevância e disseminação dos streamers de videogames com artistas dispostos a fazerem performances em ambientes imersivos, é possível de se vislumbrar um novo momento não apenas para a indústria do entretenimento, mas também para o fazer o artístico na música e nas artes visuais.

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