Na semana passada, iniciei o curso Fractal da Perestroika, o qual tem como objetivo tratar sobre como a comunicação está mudando e a forma como as marcas passam a ser comunicar também precisa de novos ajustes. A isso se une a ideia de que a comunicação deve ser feita sem interrupções provocadas pela publicidade. Isto é, comerciais que apenas apresentam um produto e não acrescentam em nada não fazem mais sentido: hoje, 11% da população global na internet já usa adblocks para evitar esse tipo de incômodo, ao mesmo tempo em que o Google também estuda incluir esse mesmo mecanismo como uma funcionalidade nativa ao Chrome.
Apesar disso, a mesma pesquisa que revelou a crescente adoção dos adblocks também indica que 77% dos americanos usuários do aplicativo se dizem dispostos a ver alguns formatos de publicidade. Isso significa que novos formatos e formas de se abordar o produto ou serviço oferecido pela marca estão sendo elaborados para que o público continue engajado ao veículo, sem parar de consumir conteúdo relevante. Essa é a proposta da Vice, por exemplo, em seu canal de televisão Viceland, nos quais algumas propagandas mostram cenas cortadas ou o backstage do programa sendo exibido como um “bônus” patrocinado por determinada marca.
No Brasil, a Vice tem experimentado a produção de conteúdo com marcas como a Skol, que financiou a criação de um documentário falando sobre os 20 anos de orgulho LGBT a partir da Parada Gay que ocorre todos os anos em São Paulo. Mas o que eu queria abordar aqui, na verdade, são alguns exemplos de quando artistas se uniram a publicitários para criar propagandas que, por si só, serviam de um conteúdo de entretenimento, assim como um curta ou talvez um jogo, como é o caso dos advergames.
Isso, no entanto, diz respeito aos formatos, quando o curioso é como, nos anos 80 e 90, a ficção científica se tornou uma inspiração criativa para comerciais como este abaixo, da cerveja Murphy, dirigido por Hiroyuki Kitakubo. Algumas fontes indicam que a direção teria sido feita por Mamoru Oshii, diretor de Ghost in the Shell, mas aparentemente Kitakubo foi o responsável pela peça que foi transmitida na TV britânica logo que o filme de Oshii chegou ao Reino Unido.
A mesma inspiração também aparece em um comercial de 1993 feito por David Fincher, diretor de Clube da Luta, para a Coca Cola. Trata-se de uma homenagem ao diretor Ridley Scott e o filme Blade Runner.
Mas o próprio Ridley Scott também já havia produzido comerciais, coincidentemente no mesmo ano em que Blade Runner foi lançado, 1984. A data, icônica por conta do romance de George Orwell, fez com que este se tornasse o grande tema da propaganda da Apple que foi exibida durante o Super Bowl.
Também nos anos 80, a Coca Cola mais uma vez inovou em sua linguagem ao trazer o personagem cyberpunk Max Headroom para protagonizar seus comerciais. A ironia é que Max foi criado justamente para ser uma sátira e crítica às personalidades da TV, sendo descrito à época como uma “personificação muito estéril e arrogante do apresentador de TV ocidental e de classe média” ou ainda como sendo um personagem “ofensivo” para a audiência mais jovem.
O conceito por trás de Max Headroom, portanto, era justamente aparecer em contextos distópicos em um futuro próximo, no qual as grandes corporações e a televisão seriam dominantes. Essa era a grande premissa do cyberpunk dos anos 80, uma ficção científica focada no futuro próximo e com as atenções voltadas para as tecnologias recentes no âmbito da cibernética e da mídia. Vários dos autores, aliás, estavam inseridos profissionalmente nesse contexto, como é o caso do jornalista Bruce Sterling e do publicitário William Gibson.
Hoje falamos tanto sobre o uso de novas tecnologias imersivas não só para a produção de conteúdo informativo ou de entretenimento, mas também há todo um espaço voltado para o branded content e para a publicidade.
Essas discussões aparecem na ficção científica cyberpunk especialmente de um ponto de vista negativo, já que o próprio gênero possui como tom de discurso o pessimismo. Apesar disso, é interessante observar como essas obras de ficção escolhem alguns elementos contemporâneos e extrapolam a partir de novas (ou possíveis) tecnologias para que certas críticas sejam ressaltadas.
Isto é, se começamos o texto falando sobre como a comunicação deve estar pautada pela não-interrupção causada pela publicidade, era justamente esse problema que era ressaltado pela ficção científica cyberpunk já nos anos 80 a partir do excesso de publicidade que, justamente por ser high tech, é capaz de se tornar ainda mais invasiva e de proporcionar uma interrupção quase que perturbadora. Um exemplo disso são os compulsivos comerciais do filme Thomas is in love, de Pierre-Paul Renders, ou ainda os vários exemplos de propaganda holográficas e os famosos outdoors interativos que evoluíram desde Blade Runner até a versão ocidental de Ghost in the Shell, lançada este ano.
Um diretor também a ser lembrado é Terry Gilliam. Desde o filme Brazil, de 1985, até o mais recente Zero Theorem, de 2013, Gilliam já tratava de forma caricata a publicidade e a cultura midiática dotada de uma “maldade sincera”. Por outro lado, diretores como Luc Besson são exemplares ao criar obras de ficção científica bem humoradas e leves, assim como foi seu mais recente lançamento, Valerian, mas também o clássico The Fifth Element. Foi em 1997 que personalidade de TV Ruby Rap, interpretada por Chris Tucker, conquistou os fãs de ficção científica ao trazer o mesmo conceito de Max Headroom, que refletia quão asséptica algumas figuras da televisão dos anos 80 poderia ser, mas ao abordar o outro lado da moeda, o do espetáculo e do bombardeio de estímulos sensoriais.
O interessante a se notar nessa relação entre ficção científica e publicidade é como essa via de duas mãos acaba por criar conteúdos metalinguísticos que discutem o próprio fazer publicitário e a cultura midiática dentro da própria publicidade e de mídias como o cinema. Um mais recente exemplo desse embaçamento entre fronteiras é o caso da campanha de lançamento do seriado de ficção científica Humans, do Channel 4, que contou com uma frente multiplataforma de anúncios de um produto que não a série, mas sim os robôs pessoais abordados na narrativa ficcional.
Com comerciais de TV, em jornais e revistas, a campanha ainda contou com um leilão falso plantado no eBay, um site em que o visitante poderia customizar seu próprio androide realista, uma instalação de a painéis interativos em uma vitrine em Londres e uma performance em que atores eram carregados em carrinhos assim como se fossem robôs a serem entregues ao destinatário. O resultado foi que o Channel 4 teve a maior audiência do canal nos últimos 20 anos durante a exibição do primeiro episódio da série.
Isso significa que inovar na maneira de apresentar um produto ao também criar uma narrativa de entretenimento e que agrega ao consumidor/audiência realmente tem mostrado, numericamente, a potencialidade de se criar comunicação não baseada na interrupção eficientemente. Em um momento no qual o espírito do tempo se dá tão alinhado a cenários da ficção científica, ao ponto de tornarmos expressões como “isso é tão Black Mirror!” uma referência corriqueira nos nossos diálogos cotidianos, então talvez o sci-fi seja justamente uma nova via de oportunidades para que as agências repensam a maneira de contar histórias junto a marcas.
Continue lendo sobre o assunto:
https://www.wired.com/2016/09/geeks-guide-advertising/