Desde a chegada de grandes plataformas como o Uber e o AirBnb, passamos a discutir sobre a questão da economia compartilhada e sobre com o acesso é mais importante do que a posse. Nomes como Rachel Botsman se tornaram referência nessa ideia de que não faz sentido adquirir algum produto se este não será usado com tanta frequência — daí o surgimento de diferentes serviços de assinatura, troca e compartilhamento de objetos e serviços como o Tem Açúcar? ou mesmo o Netflix, que desbancou as locadoras.
No que diz respeito à moda, a ascensão de brechós e lojas second hand trouxeram não apenas as grandes grifes mais próximas do consumidor que outrora não teria acesso a essas peças por conta de seus preços altos, mas também a ideia de se consumir moda de forma mais sustentável. Sendo esta uma das indústrias que mais polui no mundo e que também representa uma grande influência no uso de mão de obra escrava (sweatshops), passou-se a questionar tanto a relevância de grandes lojas de departamento quanto a necessidade de realmente comprar tantas roupas e de renovar o guarda-roupa a cada estação — afinal, essa é a lógica do mercado.
Ao mesmo tempo, também as celebridades midiáticas passaram por uma mudança conforme a relevância e a atenção se deslocaram da televisão e veículos impressos para redes sociais em que qualquer pessoa poderia se tornar um influenciador digital. Com o tempo, porém, passamos por incidentes que nos fizeram questionar a real influência e relevância dessas pessoas que, em plataformas diferentes, apenas reforçavam as mesmas ideias outrora vistas nos tabloides: o consumo excessivo, a ostentação, o retrato de uma vida feliz e falsa.
Como contraponto, a computação gráfica deu vida às novas influenciadoras virtuais: personagens fictícios que se portam de acordo com a conduta da plataforma, mas que não existem fisicamente. Ainda assim, elas assinam contratos milionários e divulgam grifes que têm seus produtos digitalizados. Nesse sentido, a indústria da moda tem se adaptado para esses novos tempos de exposição em redes sociais e personagens fictícios que transitam entre pessoas “reais” ao criar um novo tipo de produto: roupas que só existem na imagem.
Mais do que uma necessidade de sobrevivência (proteção do frio, por exemplo), roupas já há muito tempo servem como um acessório estético que representa uma identidade e que estende a expressão do Eu. Carregamos mensagens escritas e não-verbais nas roupas que vestimos e nas escolhas que fazemos — mesmo quando colocamos a primeira roupa que aparece no armário, sem julgamentos. Mas o que é mais importante: estar sempre bem vestido, mesmo em situações triviais do dia a dia, ou ter uma foto bem feita e com várias curtidas no seu Instagram?
Diante disso, marcas como a escandinava Carlings vêm oferecendo como produto a compra de roupas digitais por valores entre 10 e 30 euros, as quais são inseridas na foto do cliente a partir de uma edição fotográfica feita pela grife. Isto é, as jaquetas e calças cromadas que aparecem no catálogo da loja não são peças reais e que chegarão à sua casa pelo correio: são dados que serão implementados às fotos que as pessoas enviam e depois publicam em suas redes. Como diferencial, a grife produziu 19 peças sem gênero e sem tamanho, as quais têm um limite de 12 unidades, de modo a torná-las ainda mais exclusivas. Para divulgar a coleção, a empresa contratou diferentes influenciadores do Instagram e teve todos os produtos esgotados em apenas uma semana.
Em um artigo recentemente publicado na Vogue, Maghan MacDowell pondera a abertura dos consumidores em comprar algo que só existe no digital. Na realidade, o que a jornalista comenta é que os gamers já fazem isso há muito tempo comprando não apenas skins e demais acessórios para seus personagens, mas também outros recursos que os ajudam a passar de fase, por exemplo. Fora isso, jogos de moda como o Covet Fashion e Kim Kardashian: Hollywood já reuniram, só no ano passado, quase US$300 milhões somados. “As pessoas pensam que isso não é algo real, mas os números estão decolando”, disse Matthew Drinkwater, diretor da Fashion Innovation Agency no London College of Fashion. “A moda ainda está entrando nessa onda. Como uma peça digital da Louis Vuitton ou Off-White seria?”
Para Drinkwater, ainda levaremos entre 5 e 10 anos para que as roupas digitais se tornem realmente algo comum entre os consumidores. Tanto ele quanto Kerry Murphy, fundador da casa de design digital The Fabricant, citam o caso do CryptoKitty, projeto de criptomoeda que vendia gatinhos virtuais e que chegou a gerar transações de até US$140 mil. Mas fora a adoção do consumidor, também há uma outra barreira, como apontado por MacDowell: as grifes não são tradicionalmente treinadas para saber fazer modelagem 3D e amostras de estampas não são facilmente convertidos em 3D. “Uma grife teria que contratar um artista 3D para criar manualmente as roupas digitais — não há nenhum código para ‘lã’ ou ‘seda’, por exemplo. Há algumas poucas startups que já oferecem esse serviço, mas a maioria das visualizações de moda 3D, como aquelas dos jogos para celular, ainda são relativamente toscas, diz Murphy.”
Como também relata Murphy, a Fabricant está frequentemente sendo contatada para criar projetos de roupa digital, porém os custos de um designer 3D são altos demais para o tempo de dedicação necessário para tais projetos. Como exemplo, um trabalho fechado com uma grife de luxo de Hong Kong chamada I.T. levou três semanas para que um time de cinco pessoas concluísse a visualização de 15 peças. Mas apesar desses entraves técnicos, a Carlings já está pensando em uma segunda coleção de roupas digitais a ser lançada. De qualquer maneira, aqui no Brasil, já temos o caso do designer Cairê Moreira (Genyz) que vem trabalhando não apenas na confecção de roupas sob medida através de escaneamento 3D, mas também em uma nova linha de produtos digitais que são representados por sua influenciadora virtual Mia.
Pode ser um mercado ainda bastante emergente e em ritmo lento, mas se levarmos em conta a lógica da Lei de Moore ou mesmo da Curva de Kurzweil, sabemos que, em algum momento, esse mercado irá deslanchar e será de modo exponencial. Por outro lado, vale também recordar a curva da Gartner sobre a popularidade e a potência das tecnologias. Por se tratar de algo ainda muito emergente e que consolida diferentes tendências de comportamento do momento atual, é provável que a indústria das roupas digitais ainda esteja subindo a ladeira da sua curva de popularidade, para finalmente ganhar mais maturidade talvez nesse tempo trazido pelos entrevistados da Vogue — entre 5 a 10 anos.