Em julho do ano passado, McKenzie Funk do site Outside Online descreveu a trajetória de Liz Parrish, criadora da empresa de longevidade BioViva, em busca de tratamentos médicos capazes de fazê-la conquistar seu objetivo final: viver para sempre ou, pelo menos, estender a vida humana indeterminavelmente. Para isso, Parrish, com 44 anos à época, voou para Bogotá, na Colombia, para fazer um tratamento genético experimental sem nem mesmo ter avisado sua família. O conteúdo das injeções, como descreve Funk, incluía substâncias como gelo seco — uma informação suficiente para tirar o sono da empresária.
“Nos estudos que ela havia lido e nos vídeos que ela havia assistido, ratos que receberam o tratamento que ela estava próxima de se submeter nasceram de novo, seus pelos brilhavam e seus músculos ganharam um novo vigor. A mudança era quase imediata — uma questão de dias, semanas.”
Mas assim como também destaca Funk, ratos são diferentes de seres humanos e que as drogas que funcionam neles podem não surtir nenhum efeito em nós. Mesmo assim, com uma coragem digna de uma biohacker, Parrish estava disposta a arriscar. Para isso, a empresária passou a noite em um quarto de uma clínica na qual recebeu mais de 100 injeções em seus tríceps, coxas, nádegas e rosto, logo abaixo das bochechas.
Dois dias de febre e vômito depois, o médico de Parrish decidiu que ela estava bem para retornar para sua casa, nos Estados Unidos. Se antes ela vivia uma vida discreta, tocando sua pequena startup de biotecnologia, agora, como uma Paciente Zero de um tratamento genético totalmente experimental, discrição era a última coisa que Parrish tinha. Para não perder o timing, também a BioViva publicou um release indicando que um primeiro paciente havia recebido um tratamento genético para reverter o envelhecimento, porém não revelando que a fundadora era essa pessoa.
De qualquer forma, a vida de Parrish continuou normal: ela continuou lendo e respondendo seus e-mails, levando o cachorro para passear na floresta e as crianças para a escola. Ela também não tinha muito o costume de se exercitar, talvez menos do que médicos poderiam recomendar, mas Parrish também mantinha um diário no qual descreveria qualquer mudança que notasse no espelho ou nas fotografias que ela tirava todos os dias, durante meses. Nada visível. Mas por que uma mulher saudável, casada e com filhos iria se submeter a um risco como esse?
Parrish conta que em 2013, sua família foi surpreendida pelo diagnóstico repentino de que seu filho tinha diabetes tipo 1, uma doença crônica na qual o pâncreas deixa de produzir insulina. O garoto então passou a se tratar no Hospital Pediátrico de Seattle, um dos melhores institutos dos Estados Unidos e que tem mais de 400 leitos ocupados por crianças que sofrem da câncer, doença cardíaca, distúrbios neurológicos e danos cerebrais.
Mas apesar de todo o suporte oferecido à criança, Parrish como uma entusiasta e leitora ávida de conteúdos científicos e médicos pensou que, uma possível abordagem para o problema de seu filho seria, por exemplo, congelar uma amostra biológica do pâncreas de seu filho para que, no futuro, quando houvesse tecnologia o suficiente, sua condição pudesse ser revertida — mais ou menos ao estilo de como funciona a premissa da criogenia. Porém, quando uma enfermeira foi abordada, ela não tinha instrumentos suficientes para, naquele momento, discutir, por exemplo, as possibilidades do tratamento com células tronco — afinal, enquanto o filho de Parrish sobreviveria, muitas outras crianças no hospital não teriam essa mesma possibilidade. E isso fez com que a empresária se inconformasse ainda mais.
Foi então o momento no qual Parrish teve consciência de que seu filho poderia morrer, de como seria seu funeral. Pensou, então, na sua própria morte e em como ela encontraria o corpo do garoto, imaginando várias e várias vezes essa imagem. Essa ansiedade pela consciência da morte fez com que, no entanto, Parrish fosse atrás de uma cura, de uma solução que ela procurou em congressos médicos nos quais abordava pesquisadores para saber se, de repente, certos tratamentos poderiam ser aplicados em crianças.
Em um desses eventos, mais especificamente a sexta bienal da SENS Foundation, na Inglaterra, Parrish teve a oportunidade de encontrar Aubrey De Grey, um gerontologista conhecido por sua abordagem de longevidade e fim da morte — o combate à morte como se essa fosse uma doença. Foi em 2014 que ele passou a ganhar destaque na mídia ao participar do documentário The Immortalists, revelando-se um pesquisador com background em ciências da computação e biologia, que usava seu dinheiro herdado para apoiar iniciativas e pesquisas sobre envelhecimento.
“Ela assistiu a apresentações sobre restrição calórica e edição genética e regeneração de tecido, e ela ouviu palestrante após palestrante mencionar algo chamado telômeros — pequemos pedaços de material genético descritos como relógio biológico. As pessoas ali estavam sonhando abertamente um futuro imortal, curas para todas as doenças, e quando Parrish perguntou aos pesquisadores antienvelhecimento sua pergunta usual, alguns disseram, Sim, essa técnica poderia ajudar crianças. Claro que poderia. Curar a morte iria ajudar a todos. ‘O que você precisa?’, ela perguntava. Eles precisavam de dinheiro.”
Parrish pensou que arranjar dinheiro seria algo fácil diante do desafio de “curar a morte”, então como ela já ajudava o marido com sua empresa de software, tinha alguns contatos com outras companhias de tecnologia. E, nesse sentido, financiar pesquisas lhe pareceu muito mais importante do que criar um aplicativo.
Mesmo sem formação acadêmica ou experiência fundando startups, Parrish aceitou o desafio que a fez deslanchar como uma das mais novas bilionárias de meia idade do Vale do Silício, ao lado de nomes como Sergey Brin e Larry Page, fundadores do Google. Também eles, depois da mesma conferência da SENS que Parrish havia ido, abriram uma nova iniciativa do Google focada em longevidade: a Calico, que contou com investimento de US$1,5 bilhão. A indústria da imortalidade, então, ganhava um impulso no mercado americano, até porque um ano após o lançamento da Calico, também foi criado um prêmio de US$1 milhão para empresas que estivessem trabalhando no ramo. Depois, tivemos ainda o caso da startup Ambrosia que sugeria a transfusão de sangue de pessoas mais jovens no corpo de adultos mais velhos e, então, em 2017, o Fundo de Longevidade do Vale do Silício, que tinha como diretora Laura Deming, levantou 22 milhões de dólares e criou a Unity Biotechnology, uma empresa focada em remover células que estão morrendo do corpo de uma pessoa antes que elas se acumulem. A ideia pareceu tão boa que até Jeff Bezos contribuiu com o montante total de $151 milhões de dólares em aporte.
Mas apesar de toda essa explosão do mercado da longevidade ter ocorrido recentemente, pessoas como Bill Andrews, de 66 anos, já estão nessa luta há muito mais tempo. O encontro de Andrews com Parrish se deu também em 2013, quando ambos participaram de um podcast no qual trataram de questões básicas a respeito da telomerase, hTERT, e um conceito chamado Limite Hayflick, que se trata de um princípio científico estabelecido pelo professor de microbiologia Leonard Hayflick e seu colega Paul Moorhead, em 1961.
Até aquele momento, cientistas entendiam que as células humanas funcionavam como bactérias, isto é, que elas poderiam dividir para sempre. Mas Hayflick provou que isso não era verdade ao observar que as células humanas só poderiam se dividir até mais ou menos 50 vezes antes de parar e entrar em um modo quase “zumbi” chamado senescência. “De alguma forma, as células sabem quão velhas elas são”, disse Andrews no podcast. “O número de divisões se nivela. Esse é o Limite Hayflick. O que agora sabemos é que isso é causado por uma limitação de telômeros.”
“Andrews continuou dizendo que a terapia genética é a maneira mais fácil de chegar ao limite, mas que é improvável que a FDA aprove tal tratamento porque o envelhecimento não é classificado como uma doença. Ele alerta que as consequências de se ativar a telomerase em todas as células de um indivíduo são desconhecidas, e que a terapia genética é um comprometimento sério — você não pode simplesmente revertê-la. ‘Pode ser que seja ok’, ele disse, ‘nós só não sabemos ainda.’”
O resultado dessa conversa, então, foi uma parceria entre Parrish e Andrews, que começaram a trabalhar em um tratamento genético para a nova empresa de Parrish, a BioViva. Seis meses antes de embarcar para Bogotá, em 2015, a empresária vez uma declaração ´pública em um evento chamado People Unlimited, em Scottsdale, Arizona, no qual dezenas de pessoas se reúnem para falar sobre as questões educacionais, estilo de vida e organizações sociais que têm como finalidade e interesse fazer com que as pessoas conquistem um tempo de vida indeterminado. Em sua fala, Parrish declarou que passou a se interessar e se envolver na questão da longevidade mais pelo fato de querer trabalhar na cura de doenças pediátricas. “Eu nunca pensei que eu estaria falando sobre longevidade. Mas quando eu comecei a ver mais sobre a ciência, eu comecei a entender que era hora de lutar numa nova guerra — a primeira e mais antiga guerra humana. Ao curar o envelhecimento, podemos ajudar em muitas doenças que crianças têm.”
“Com fluência marcante, ela narrou a história da mortalidade. Humanos antes morriam principalmente por conta de doenças infecciosas. Então nós desenvolvemos antibióticos. Agora nós morremos principalmente por conta de problemas do envelhecimento — câncer, doença cardíaca, Alzheimer. Nós precisamos desenvolver um novo tipo de tecnologia revolucionária, ela disse. Nós precisamos de terapia genética.”
Mas para que o governo americano permitisse tais tratamentos, seria necessário levantar quase um bilhão de dólares e quinze anos de testes a serem realizados, mas obviamente ninguém estava querendo pagar esse preço, especialmente em termos temporais. Como resultado de sua apresentação, Parrish fez contato com diferentes investidores e finalmente conseguiu levantar os 250 mil dólares necessários para fazer seu experimento em Bogotá.
Para além do release da BioViva, Parrish também se antecipou e lançou ela mesma um artigo chamado A Tale of Do-It-Yourself Gene Therapy, no Reddit. Dentre as perguntas feitas, uma das principais tinha a ver com o preço a ser pago por esse tipo de tratamento, o que pode ser um problema divisor de águas entre aqueles que poderão viver indefinidamente e aqueles que continuarão morrendo de doenças infecciosas apesar de já existirem tratamentos. A resposta de Parrish foi protocolar: do mesmo modo que um super computador custava $8 milhões nos anos 1960 e hoje temos um poder de processamento muito maior em nossos celulares do que no foguete que levou o homem à lua.
Apesar disso, os resultados da terapia à qual Parrish se submeteu não eram realmente conclusivos quanto à efetividade do tratamento. Ela não desenvolveu câncer, mas também não voltou a ter 25 ou demonstrou resultados impressionantes em termos de seus triglicérides ou massa muscular. No entanto, em 2016, a BioViva publicou um novo release no qual declarava que o tratamento havia sido bem sucedido, uma vez que, comparativamente, os telômeros de seus leucócitos haviam crescido em 9%, o que significaria, de acordo com o relatório, uma reversão de 20 anos de envelhecimento. No entanto, nenhum estudo realmente científico foi publicado junto ao release.
Agora, porém, a BioViva está seguindo um novo caminho: bioinformática. A ideia é começar a usar inteligência artificial e aprendizagem de máquina para desenvolver novas terapias genéticas, uma tendência que tem crescido entre pesquisadores e mesmo no âmbito médico, no que diz respeito ao diagnóstico de doenças. De qualquer forma, segue-se a crença de que a telomerase e a possibilidade de aumentar o comprimento dos telômeros das células sanguíneas seja uma possível abordagem de prolongamento da vida. Pelo menos, é nisso que Andrews ainda tem se focado em sua nova parceria com a Libella Gene Therapeutics.