Apesar de a técnica estar sendo aprimorada para a aplicação em corpos humanos, seria ético performá-la?

Projetos como o 2045 Initiative têm como objetivo encontrar novas maneiras de estender a vida e, em última instância, superar a morte. Enquanto alguns outros especialistas, como o gerontologista Aubrey De Grey, seguem uma linha mais voltada à biologia e bioengenharia, a iniciativa do empresário russo Dmitry Itskov possui quatro estágios: 1. Comandar um corpo robótico a distância a partir de um dispositivo de interface cérebro-máquina (2015–2020); 2. Transplante de cérebro para um corpo robótico (2020–2025); 3. Transferência da mente humana para um cérebro artificial (2030–2035); 4. Transcender o corpo físico em um avatar holográfico (2035–2045).

O nome do projeto tem a ver com a previsão do futurista Ray Kurzweil, que acredita que a singularidade será alcançada por volta de 2045 — isto é, seria mais ou menos nesse momento em que a inteligência artificial teria um poder de processamento superior ao cérebro humano, assim nos ultrapassando e possibilitando emulações tão potentes quanto essas vislumbradas pela 2045 Initiative.

Por outro lado, há também empresas como a Alcor que focam na preservação criogênica do corpo e/ou do cérebro de seus clientes, de modo que estes possam ser revividos em um futuro no qual haja tecnologia suficiente para isso. E, por último, também há o controverso médico italiano Sergio Canaveroque conquistou as manchetes dos principais veículos mundiais ao dizer que faria um transplante de cabeça em humano até 2018 — porém seu voluntário para a cirurgia acabou desistindo, enquanto que Canavero, no ano passado, ressurgiu na mídia internacional devido a um teste feito com um cadáver que, segundo ele, teria sido bem sucedido, mas tal definição não foi tão bem aceita por outros especialistas.

A novidade agora, porém, é um experimento conduzido na Universidade de Yale, o qual se baseia na preservação do cérebro de um porco fora do corpo do animal. Em linhas gerais, o teste envolve a busca por uma nova definição do que seria a morte, enquanto que esses pesquisadores têm tentado restaurar a circulação do cérebro desses porcos decapitados, mantendo seus órgãos reanimados por um período de até 36 horas.

Como descrito em artigo do MIT Technology Review, esse experimento oferece aos cientistas uma nova forma de estudar cérebros intactos no laboratório com grande precisão, mas, ao mesmo tempo, também acaba por inaugurar novas possibilidades de extensão da vida humana, por exemplo, a partir da preservação do cérebro humano com suporte externo.

Avanços tecnológicos e questões éticas

Essa pesquisa ganhou notoriedade também pelo fato de ter se tornado pauta, no dia 28 de maio, do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos por conta de sua dimensão ética. Durante o evento, o neurocientista Nenad Sestan apresentou seu time que vem fazendo testes com 100 a 200 cérebros de porcos que obtiveram em abatedouros, de modo a restabelecer sua circulação usando bombas, aquecedores e sacos de sangue artificial aquecidos à temperatura corporal.

Apesar de terem conseguido manter a circulação sanguínea ocorrendo por até 36 horas, não há evidência de que a consciência também foi reconquistada nesses cérebros isolados. O que, no entanto, Sestan achou incrível foi que bilhões de células no cérebro ainda estavam saudáveis e capazes de exercer suas atividades normalmente. “Esses cérebros podem estar danificados, mas se as células estão vivas, é um órgão vivo”, afirma Steve Hyman, diretor de pesquisa psiquiátrica no Broad Institute em Cambridge, Massachusetts, que esteve envolvido também nesse trabalho.

De acordo com Hyman, preservar um cérebro não é tão diferente de se preservar outros órgãos como o fígado, coração ou pulmões que serão reencaminhados para transplante. Porém, é justamente essa proximidade técnica que faz com que, de acordo com o diretor, muitos acreditem que isso possa ser uma forma de evitar a morte. “Pode ser que cheguemos a um ponto em que, em vez de termos as pessoas dizendo ‘congele meu cérebro’, elas dirão ‘me desconecte e encontre um novo corpo’.” Hyman acredita que tais expectativas ainda estão muito distantes hoje e que transplantar um cérebro em outro corpo não é algo remotamente possível.

Intitulado BrainEx, o projeto está tentando conectar cérebros em um sistema fechado de tubos e reservas que circulam um líquido vermelho capaz de carregar oxigênio às células tronco do cérebro, a artéria cerebelar e outras áreas mais profundas no centro do cérebro. Em sua apresentação na conferência do Instituto Nacional de Saúde, Sestan disse que essa técnica é passível de ser bem sucedida em qualquer outra espécie, inclusive em primatas. “Isso provavelmente não está reservado apenas aos porcos”, disse.

Por conta dessa abrangente aplicação, Sestan já foi questionado, por exemplo, se essa técnica poderia ser usada na medicina. “Cérebros humanos retirados de um corpo podem se tornar cobaias para se testar curas mais exóticas do câncer e tratamentos especulativos do Alzheimer que são muito perigosos para se testar em pessoas vivas.” Porém, é, novamente, o lado ético dessa pesquisa que retorna como uma problemática:

“Se, por exemplo, o cérebro de uma pessoa é reanimado fora do corpo, aquela pessoa acordaria em uma espécie de câmara de privação sensorial, sem orelhas, olhos ou uma forma de comunicar? Essa pessoa manteria suas memórias, uma identidade ou direitos? Os pesquisadores podem eticamente dissecar ou jogar fora esse cérebro?”

Um dos consultores do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos afirma que haverá muitas questões “estranhas” a serem resolvidas, mesmo que não se tenha a ver com essa ideia de um “cérebro no pote”. Para Sestan, o fato de esse experimento ter trazido tanto fascínio às pessoas pode ser também algo a se tomar cuidado. Isso porque, provavelmente, as esperanças em torno desse experimento estão indo em direção ao grande desafio de superar o inevitável destino humano: a morte.

Para o neurocientista, no entanto, apesar de existirem possibilidades de se performar o mesmo com cérebros humanos, ainda assim será necessário delinear as medidas corretas a serem tomadas quando o procedimento for feito com órgãos humanos. Já do ponto de vista filosófico, vários pesquisadores contemporâneos acreditam, por exemplo, que não se é possível de existir uma consciência sem um corpo, daí também pondo em xeque as questões sobre uma ideia de vida pós-self.

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