Mas por que uma mudança estratégica do negócio para sustentabilidade?
Andrew Winston, autor do The Big Pivot (2014), elencou 5 motivos que ajudam a responder essa pergunta. O primeiro deles é a mudança climáticaque vem acontecendo de forma acelerada nos últimos anos. Segundo o World Bank, é possível que os desastres climáticos, como o que ocorreu em Houston e que deixou a cidade imersa em água, pode acarretar em um prejuízo de até US$158 trilhões. O que já nos leva para o segundo motivo, onde esses desastres interferem diretamente na economia.
O terceiro motivo está relacionado à demanda de recursos que, de acordo com uma pesquisa encomendada pela Shell, até 2030 o crescimento da população mundial e o aumento da prosperidade impulsionarão a demanda global de água em até 30%, de energia em até 40% e de comida em até 50%.
O quarto motivo é a geração que está emergindo, os Millennials. Trata-se de uma geração mais politizada e preocupada com o impacto positivo que deixam no mundo, o que interfere diretamente em seus hábitos de consumo (mais conscientes) e de engajamento com causas e marcas.
Um bom exemplo é o documentário The True Cost (2015), idealizado pelo cineasta Andrew Morgan e viabilizado pelo público através do Kickstarter. O filme questiona nossos hábitos de consumo e as condições de trabalho na cadeia da moda. Uma referência de conteúdo entre as novas gerações, o tema central do longa é o consumo exacerbado e como a indústria têxtil causa impactos ambientais por conta dessa produção excessiva. Desse modo, o documentário nos faz repensar o jeito que consumimos atualmente.
O quinto motivo levantado por Andrew Winston são as possibilidades de desenvolvimento de novos produtos e soluções de alto impacto a partir da tecnologia, conectividade e transparência. Um exemplo é a indústria automobilística (ou parte dela), com seus carros autônomos e movidos por energia elétrica. Seguindo essa tendência, a Volvo passará a vender carros elétricos a partir de 2019, enquanto o Uber tem um projeto de carros autônomos sendo desenvolvido e a França acaba de anunciar que até 2040 proibirá a venda de carros a diesel.
Winston ainda acrescentou mais um motivo, que é a cadeia de suprimentos, e de que forma as empresas, em especial as indústrias, conseguirão cuidar de todo o ecossistema, sabendo exatamente de onde vem, pra onde vai e do que é feito cada material utilizado em seus produtos. Aliás, esses três questionamentos já podem ser um bom ponto de partida para refletir sobre cada produto que consumimos no dia a dia.
Eu acrescentaria mais alguns motivos nessa lista de Winston. Evelin Giometti, head of Corporate Projects do Yunus Social Business Brasil, trouxe ao evento da Harvard alguns dados sobre retornos para as empresas que investirem em negócios e inovação social. Um deles é a própria inovação trazida através da vivência e aquisição de ferramentas e metodologias para a geração de inovação social, que podem ser aplicadas nos produtos e serviços oferecidos.
Outro ponto é que as empresas também podem ganhar um aumento em percepção de marca ao investir em inovação social. Este, aliás, é um importante retorno se pensarmos que a empatia é apontada como o principal fator de consumo para os próximos anos. Além do mais, todo esse universo também pode trazer a formação de uma rede diversa para que soluções de alto impacto sejam pensadas e desenvolvidas de forma colaborativa.
Seguindo essa lógica, o negócio pode não só conduzir a inovação como também passa a ter um propósito massivo transformador (MTP), uma das características mais importantes para as organizações exponenciais. Segundo Salim Ismail, da Singularity University, são justamente os MTPs que trazem uma outra proposta de valor para a empresa e de quebra ainda ajudam a reter talentos.
Todd Zenger, autor de Beyond Competitive Advantage (2016), também passou pelo evento da Harvard e contribuiu com seu discurso sobre estratégias e vantagens competitivas para empresas. Em sua obra, Zenger traz uma abordagem mais humana e focada em quais valores intrínsecos ao negócio são os mais importantes nesse novo cenário, em contraponto às velhas vantagens competitivas.
Mas a grande questão era: Quais problemas do mundo podemos ajudar a resolver? E como? Qual é o papel das indústrias e das marcas no mundo?
O primeiro ponto passa pela reflexão de questionar a si próprio e ao mercado em que está inserido. Do que estou disposto a abrir mão? Em uma transição de modelo como esta, mudanças estruturais podem ocorrer e coisas podem ficar para trás. Crenças, dinâmicas de poder, autoridade, produtos, serviços e dinâmicas interpessoais. E é válida a reflexão se estamos dispostos a abrir mão de coisas que, às vezes, a gente só descobre no meio do caminho. Mas uma boa notícia é que este é um caminho sem volta, pelo menos para mim, então sempre faço o exercício de acreditar que o que vier no momento seguinte será acompanhado de mudanças positivas e transformadoras.
Algumas instituições já fizeram um mapeamento de questões mundiais que precisam da força das corporações, governo, terceiro setor e sociedade civil para que transformações aconteçam. Esses mapeamentos podem ser um bom ponto de partida para uma mudança estrutural no core business das empresas.
Um deles é a agenda de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável lançado pela ONU e que devem ser implementados por todos os países nos próximos 15 anos.
Outro é o GGCs (Global Grand Challenges) da Singularity University, que acredita que alavancar o crescimento e convergência das tecnologias exponenciais nos colocará no caminho para resolver grandes desafios globais, passando de uma era de escassez para uma era de abundância.
Com tantos objetivos e questões mundiais a serem cuidadas, qual é o impacto positivo que seu negócio pode, de fato, gerar? E não estou falando de áreas de responsabilidade social ou sustentabilidade olhando para esse lugar. O ponto aqui é muito mais sobre esses objetivos se tornarem o principal valor do negócio, assim pautando todas as outras estratégias.
As áreas de responsabilidade social cumpriram um papel fundamental nas empresas até esse momento, mas na maioria dos casos elas são vistas como áreas periféricas e compensatórias, muitas vezes desconectadas da estratégia principal das empresas. E a reflexão aqui passa por analisar que os projetos de inovação social a partir de uma estratégia central, podem ir muito além de projetos de caridade.
A Mercur, representada por Jorge Hoelzel, me surpreendeu muito positivamente. Trata-se de uma empresa com 93 anos de história e 700 funcionários que começou a questionar seu papel como indústria há alguns anos. Desde então, a Mercur vem traçando uma trajetória de transição, que inclui desde mudança em produtos, materiais e processos de produção até uma gestão com base na holocracia.
Lá, eles entenderam que não poderiam mais trabalhar com projetos sociais, como fizeram durante muitos anos, mas sim que precisavam trazer o social para dentro de tudo o que é feito na empresa. Eles conseguiram substituir algumas visões internas ao colocar o propósito acima das metas financeiras, a qualidade acima da quantidade, abandonando a competição para adotar a colaboração com todo o mercado em que estão inseridos. Como resultado, eles conseguiram transformar um ambiente opressor em um ambiente que valoriza a autonomia das pessoas que fazem parte do dia a dia da empresa.
Ao entendermos que as transformações virão a partir de indicadores de impacto positivo inseridos no valor principal que os negócios entregam, é importante também assumir que este se trata de um momento de transição. Por isso, é importante ser generoso consigo e com o seu próprio negócio em função das inúmeras incoerências que aparecerão no meio do caminho e que o próprio negócio pode trazer à tona. Precisamos refletir que estamos falando de uma outra lógica econômica, na qual o lucro passa a decorrer de um processo mais empático e genuíno a partir do impacto positivo.
E um dos maiores aprendizados e reflexões que fiz nesses dias de muito conteúdo foi que as empresas são feitas de pessoas e cada pessoa tem suas crenças, positivas ou negativas. Ao iniciar um projeto, é importante ter uma escuta ativa para entender o outro lado, sua cultura, medos, anseios, oportunidades. E, tomando muito cuidado para não cair na armadilha de um pedestal moral, tentar realizar algumas ações que são idealizadas, mas com o pragmatismo necessário à concretização dos negócios. E, por fim, que esses projetos sejam financeiramente sustentáveis e lucrativos.
Uma questão que tem estado viva também é de que a comunicação contribuiu e reiterou a cultura de consumo e impacto que vivemos até aqui. E agora ela, e nós profissionais de comunicação, temos uma nova oportunidade de contribuir para a construção de uma nova consciência coletiva e potencializar ações que geram impacto positivo.
É um caminho longo, mas muito mais cheio de significado — ao menos, para mim. E como não podia deixar de aparecer, foi na última palestra que assisti, a do mais que querido mestre e amigo Tiago Mattos (futurista na Aerolito e professor das escolas de inovação mais importantes do mundo), que a boa e velha máxima do Alvin Toffler foi levantada: “Os analfabetos do séc. XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender a desaprender para reaprender.”