Em uma entrevista publicada pelo site do The Guardian, a professora da Harvard Naomi Oreskes traz em pauta o tema do seu mais recentemente publicado livro “Why Trust Science?” ou “Por que confiar na ciência?”, no qual a pesquisadora defende que, se mais pessoas escutassem sobre os valores pessoais dos cientistas, mais conseguiríamos rebater o sentimento anticientífico que cresce nos últimos anos. Responsável pela disciplina de história da ciência, Oreskes levou a pauta mesmo ao governo americano ao apresentar uma análise da indústria petrolífera e sua tentativa de reprimir a verdade sobre as mudanças climáticas.
Em seu livro anterior, “Merchants of Doubt” ou “Vendedores de dúvida”, Oreskes apresenta as táticas usadas pelos profissionais que negam as mudanças climáticas, as quais ela também apresentava em suas aulas públicas. Só que, nessas ocasiões, a professora confessa que, depois de revelar essas informações, ela acabava sendo questionada sobre o motivo pelo qual as pessoas deveriam confiar na ciência. “Achei que essa era uma pergunta legítima”, defendeu a pesquisadora que, no entanto, acredita que o alarde sobre o descrédito da ciência seja maior do que realmente está acontecendo. “Pesquisas públicas nos Estados Unidos mostraram consistentemente que as pessoas ainda confiam na ciência, muito mais do que confiam no governo ou na indústria. No entanto, há certasa áreas, por exemplo no que diz respeito às mudanças climáticas, vacinação e evolução, que há um alto nível de suspeita pública. Nessas áreas, as pessoas resistem em aceitar o que a evidência mostra por conta de seus valores. A ciência pode ser vista em conflito com seus pareceres políticos, morais ou religiosos, ou ainda seus interesses econômicos”, explica Oreskes.
Fora isso, a professora também afirma que, no final das contas, descreditar a ciência é também uma estratégia política, em especial quando levamos em conta a questão dos combustíveis fósseis e como sua indústria está criando a impressão de que a ciência das mudanças climáticas está incorreta. E, nesse sentido, é possível de se observar mesmo na postura do presidente Donald Trump o seu descrédito à ciência, o que Oreskes considera profundamente problemático, já que isso demonstra que, afinal, está tudo bem se as pessoas e as empresas também rejeitarem a ciência. “Isso também é prova de que não se trata apenas de pessoas que não têm bom acesso à informação científica. O presidente provavelmente tem mais acesso à informação científica do que qualquer pessoa no mundo, mas ele ativamente a rejeita em várias esferas porque a ciência entra em conflito com seus próprios interesses”, argumenta a pesquisadora.
Então como convencer as pessoas a confiarem na ciência e no método científico? Oreskes diz que não há uma fórmula secreta para garantir resultados, porém um dos motivos pelos quais deveríamos confiar na ciência é o fato de que há processos rigorosos a serem seguidos para que se comprove uma hipótese. A isso se inclui a análise de artigos enviados para publicação e apresentação em congressos, a qual se trata, afinal, de uma prática social, uma vez que o objetivo é encontrar o consenso entre os avaliadores de que um assunto científico foi trazido com confiança e sustentação. “Nós também devemos confiar na ciência porque ela é feita por pessoas que são especialistas em estudar a natureza. É muito atraente ser cético com relação aos especialistas, mas nós confiamos em pessoas treinadas em todos os tipos de coisas que fazemos diariamente: dentistas consertam nossos dentes e encanadores desentopem nossas pias. A ciência também tem um substancial número de sucessos: pense nos remédios e nas tecnologias, o que sugere que os cientistas estão fazendo algo correto”, diz Oreskes.
Ainda assim, como no casos de movimentos como o terraplanismo ou os anti-vacinas, há sempre argumentos que tentam rebater as afirmações científicas, por exemplo o de que cientistas outrora assumiram que a eugenia fosse algo científico, quando hoje sabemos que não. Então, por que os cientistas também não estariam errados sobre a mudança climática? Oreskes rebate dizendo que, ao se olhar com atenção para a questão da eugenia, nunca houve, de fato, um consenso entre os cientistas sobre essa questão, em especial se levar em conta os geneticistas e biólogos evolucionários britânicos como JBS Haldane e Julian Huxley. Esses dois casos, por exemplo, foram de cientistas que, por acaso, também eram socialistas e que se atentaram para a eugenia como uma espécie de viés contra a classe trabalhadora. Segundo Oreskes, esse caso mostra como a diversidade na ciência (e, neste caso, a diversidade política) pode apontar outros caminhos que não surgiriram caso contrário.
Por outro lado, uma outra questão levantada por Oreskes em seus livros é que há, muitas vezes, um problema de mau jornalismo e não de falha científica, como foi o caso da polêmica do fio dental em 2016. Tudo isso aconteceu porque o governo americano decidiu focar apenas em dieta e remover de suas recomendações o uso de fio dental. Um jornalista da Associated Press notou essa discrepância e decidiu procurar pela base científica do uso do fio dental contra doenças gengivais e cáries. “Ele descobriu que, se você procurasse evidência pelo método principal de evidência (estudo de controle duplo-cego aleatório), não havia nada. Mas não dá para fazer esse tipo de teste: você consegue saber se está passando fio dental ou não. Se você fizer esse tipo de teste, necessariamente, não haverá evidências ‘concretas’ que apoiem o fio dental”, explica Oreskes, que diz ainda que há um certo fetichismo sobre esses métodos, especialmente quando se trata de nutrição e exerícios — são áreas nas quais não é possível de se fazer esse tipo de teste ou então seria antiético. “Nesses casos e em outros tipos de estudos, como populacionais ou animais, esse método pode ser valiosos. Mas se você tem outro tipo de informação, por exemplo a de dentistas e nossa própria experiência de que usar fio dental faz muito bem para nossos dentes e gengivas, não devemos ignorar.”
Como, então, deveríamos agir para que as pessoas confiassem mais nos cientistas e na ciência? Para Oreskes, não se trata de dar mais informação científica às pessoas, mas sim fazer com que cientistas falem mais sobre os valores que os motivam a fazer ciência. “Em muitos casos, os valores dos cientistas são muito menos diferentes daqueles das pessoas que estão rejeitando a ciência do que se pensa. Você pode achar que pessoas que rejeitam vacinação como estando ‘do outro lado’, mas todos nós amamos nossos filhos. O que para um cientista é “biodiversidade” pode ser “Criação” para fiéis, mas todos estão falando da mesma coisa”, diz a professora, que também reforça que é possível que um cientista fale de suas pesquisas e também de suas motivações pessoais. “No meu livro, eu falo sobre algo profundamente pessoal: minha própria experiência com pílula anticonceptiva e depressão. Pode não ser convincente para todos, mas as pessoas são muito mais propensas a acreditar na informação factual quando há identificação ou conexão humana.”
Mas mais do que isso, Orekes também fala sobre a importância de se amplificar as discussões muitas vezes restritas à academia, o que põe em xeque a divulgação e o convite à reflexão. Por conta desse motivo, Oreskes defende que acadêmicos devem ser muito claros sobre seus propósitos e nunca aceitar um acordo de confidencialidade: “É essencial na ciência que deixemos as coisas se espalharem como deveriam.”