Sabemos que a mídia ocupa um importante papel na construção de nossas identidades: é através dela que padrões são estabelecidos e repassados para as pessoas. Por isso, pensar a questão da estética nesse meio pode nos ajudar a ter uma referência para estabelecer um padrão. Primeiro, porém, precisamos entender o que significa esse termo.
Com origem no termo grego aisthésis, que significa “percepção, sensação, sensibilidade”, a estética estuda, a grosso modo, a definição do que é o belo, fazendo assim a distinção entre o que é sublime do que não é. Logo, não é possível distinguir o conceito de estética do movimento da body positivity. Nele, o discurso de que “todo corpo é bonito” é afirmado como uma desconstrução benéfica, como se ser bonito fosse algo intrínseco a todos os seres humanos. Mas por que esse pensamento existe e por que se direciona principalmente às mulheres? Para responder isso, precisamos compreender também o conceito de sensibilidade e qual é a sua influência histórica na mídia.
Na transição entre os séculos XIX e XX, a ciência passava a ser vista como uma função civilizatória, indispensável para a vida dos indivíduos que buscavam romper com o passado arcaico e evoluir. Esse período é marcado pelo esforço humano em compreender e interagir com o mundo, a fim de se aperfeiçoar e dominar cada vez mais a natureza, assim alcançando mais autonomia perante o mundo físico. Isso acontece a partir do entendimento sobre a formação dos sentidos e das sensibilidades.
Surge, então, a constatação de que os indivíduos se apropriam do mundo de diferentes maneiras, captando-o através de aparatos bio-psíquicos orgânicos — isto é, através dos sentidos: tato, olfato, paladar, audição e visão. Por outro lado, passou-se a acreditar também na possibilidade de educar esses sentidos para que formem determinadas sensibilidades, as quais, em um mundo civilizado, são o resultado do encontro da subjetividade com a natureza, o meio social e a cultura.
Assim, com o desenvolvimento da ciência aliado às mudanças estruturais na sociedade moderna, também se alteram os efeitos da natureza sobre o homem. A tecnologia passa a mediar esse contato, proporcionando então uma nova incidência de impactos que interferem diretamente no modo como as sensibilidades são criadas.
De lá pra cá, a mídia tornou-se um grande aparato de divulgação do pensamento iluminista, tão valorizado nessa época. Com a tecnologia, a abrangência desse discurso também se amplificou, ao mesmo tempo em que a imprensa se tornava, portanto, um recurso com forte caráter capitalista e com tendência à massificação da sociedade.
Nesse contexto, a imprensa feminina aparece com a demanda de incluir as mulheres como leitoras e consumidoras desse novo formato de sociedade. E na onda da renovação de hábitos e da criação de novas práticas, a imprensa feminina também passa a assumir a função de delinear os comportamentos e o caráter das mulheres, ao mesmo tempo em que também as incentivava ao consumo por meio de propagandas direcionadas. Vale dizer que, apesar de estarmos há mais de um século de distância desse contexto, continuamos presos a esses princípios.
Por isso, no que diz respeito a body positivity, quando a mídia traz o tema como um de seus elementos discursivos, ela acaba por reforçar a ideia de que o corpo, principalmente o feminino, está sempre relacionado à ideia de beleza. E ampliar a definição do que é belo, de que todos os corpos são belos, não retira o caráter estético desse discurso: na realidade, corpos acabam por ser reduzidos à ideia de beleza, a qual não tem espaço em uma sociedade capitalista, já que o que se quer fazer é vender a beleza a ser conquistada.
O que acontece nesse discurso da body positivity é a tentativa de construção de uma nova sensibilidade adaptada às nuances da globalização, mas que ainda assim trata o corpo, antes de tudo, como algo estritamente relacionado à aparência — uma grande contradição, visto que o corpo é a parte orgânica que nos insere na natureza. Mas talvez seja por isso mesmo que a luta pelo controle sobre cada aspecto físico de um indivíduo é tão lucrativa: ela não tem propósito natural ou é inerente aos seres humanos, apesar de ser tratada como se fosse.
Quando se trata de humanidade, sempre questiono “o que é natural?”, buscando assim enxergar a parte irracional, instintiva e selvagem que nos faz semelhantes aos outros animais. Atualmente, a tecnologia faz a mediação de praticamente toda a interação que temos com a natureza, então, por isso, já entendo que quase tudo que me cerca e me molda existe com base em sensibilidades educadas e formadas a partir de um determinado propósito.
Em um mundo capitalista, mesmo essa reflexão é corrompida e vira produto, como é o caso da body positivity. Vivemos um momento em que há um boom de comportamentos alternativos, a partir dos quais se busca justamente obter um maior contato com a natureza e com a valorização dos sentidos, na esperança de sofrer menos influência do modo como o mundo funciona. A isso se somam escolas alternativas, escolhas alimentares, estilos de vida e até mesmo modos de meditação que são vendidos para as classes mais altas, de forma que elas se sintam ainda mais distintas do restante da sociedade, mais evoluídas.
Para os que não podem pagar pela possibilidade elitista de viver pseudo-criticamente na sociedade, o capitalismo continua cumprindo o seu papel. Estes continuam tendo suas sensibilidades moldadas em cada aspecto possível, de modo a continuarem sendo direcionadas para o consumo em massa. Mais que isso: suas condições de vida são dadas de modo que o sistema possa continuar funcionando e, desse modo, reforçando privilégios e opressões.
É nesse caos pós-moderno que a educação popular se torna tão importante, justamente por não ter o intuito de promover uma busca quase utópica pela igualdade ou por agir dentro da lógica da meritocracia. Seu propósito, por outro lado, é conscientizar os indivíduos oprimidos pelas estruturas da sociedade sobre suas próprias condições.
Em outras palavras, gostar do próprio corpo não é algo ruim e ter vários tipos de corpo aceitos pela sociedade é até libertador, em certo nível. Entretanto, é necessária a reflexão: por que existe uma condição estética sobre o seu corpo? Por que você deve se sentir bonita e aceita? Qual é, de fato, o propósito do seu corpo? Por que você deve ser resumida a ele? Até que ponto a influência de uma sociedade capitalista, que reforça opressão e privilégio, existe nesse pensamento? Até que ponto isso é natural e necessário?
É por isso que a body positivity pode ser um movimento benéfico em muitas circunstâncias, mas não é, nem de longe, uma solução.