Minhas impressões sobre o Empreendedorismo Vivo, tema do curso ministrado pela Escola Schumacher Brasil em outubro.

Recentemente fiz um curso na Escola Schumacher Brasil, braço brasileiro do Schumacher College criado por Satish Kumar, na Inglaterra, e que se tornou uma referência em sustentabilidade. A experiência foi muito diferente de outros cursos e vivências que já fiz, pois muito mais que slides preparados com conteúdos, autores e filósofos de referência, foi um momento de muita reflexão a partir de vivências com a natureza e com o grupo. Foi o que me fez entender o tema do curso, Empreendedorismo Vivo, e a importância da reconexão com o que está vivo, com a natureza, para novos entendimentos sobre economia, empreendedorismo e impacto positivo.

Satish Kumar

Em seu livro Solo, Alma e Sociedade: uma nova tríade para os nossos tempos, Satish traz importantes reflexões a partir do entendimento sobre Economia e Ecologia e propõe uma nova relação do homem com o planeta. “Primeiro, é preciso aprender a cuidar do solo. Vivemos do solo e voltaremos ao solo. O solo é uma metáfora do meio ambiente. Cuidando do solo, aprenderemos também a cuidar de nós mesmos. Somente então estaremos prontos para cuidar da sociedade”, afirma Satish. “Tem gente que quer cuidar do mundo, mas ainda não aprendeu a cuidar de si.”

No sentido literal das palavras, economia significa “administração da casa” e ecologia o “estudo da casa”. Mas a desconexão entre os dois saberes nos trouxeram às lógicas econômicas que temos hoje, nas quais ainda carregamos verdades absolutas que fizeram sentido em outro contexto, como na idade média, quando o controle da natureza começou a se fazer necessário em função de opressões como as pragas, por exemplo.

Se voltarmos a nossa atenção aos fenômenos que acontecem na natureza, conseguimos traçar paralelos interessantes com o empreendedorismo, gestão e liderança. Assistimos ao vídeo “Sincronia dos Pássaros”, no qual um bando de pássaros se organizam de forma sincronizada, como uma dança, um corpo. Surge aí uma reflexão sobre a noção de incerteza, instabilidade e participação, numa relação não-linear de interdependência dos pássaros, que pode ser relacionada também com a liderança e as pessoas que compõem uma organização.


Vídeo “Evidência de Campos Mórficos: Sincronia dos Pássaros”

No vídeo, sempre tem um pássaro que sugere a mudança, a troca de direção. Os significados estão emergindo a partir das dinâmicas relacionadas entre os seres, trazendo luz à habilidade de resposta dos outros pássaros a partir de uma mudança de rota. O empreendedorismo vivo se dá, então, a partir de um fluxo natural da vida e não tanto a partir de um planejamento ou pensamento estratégico pré-determinado. É menos sobre uma ação direta e mais sobre voltar-se para dentro, estar presente para entender a próxima ação e saber responder à ela.

Seguindo as metáforas do que está vivo, falamos sobre a Teoria da Complexidade, ou pensamento complexo, através de uma aula de tango. A Teoria traz uma visão interdisciplinar acerca de sistemas complexos adaptativos, isto é, um conjunto de unidades que interagem entre si e que exibem propriedades emergentes, além de tratar de comportamento emergentes, da complexidade das redes e da teoria do caos , na qual certos resultados são causados pela ação e interação de elementos de forma praticamente aleatória. Fora isso, a teoria da complexidade ainda aborda o comportamento dos sistemas distanciados, seu equilíbrio termodinâmico as suas capacidades de auto-organização.

Padrões fractais complexos da natureza.

A nossa tendência é criar padrões e, quando estamos presos nesses padrões, nos desconectamos do outro para pensar no processo. Nos desconectamos do que está vivo e da nossa habilidade de resposta. E a gente se vicia em criar processos e fluxos, principalmente quando falamos de gestão e liderança. Quando estamos presos ao modelo de referências fixas e tentando exercitar o improviso, a frustração de errar é maior e a nossa tendência é de voltar à estaca zero.

Contudo, quando se abre espaço para fluir a espontaneidade, dificilmente retornamos à estaca zero: entendemos o erro como aprendizado e nos permitimos seguir adiante. Nesse sentido, quando pensamos em negócio, muitas vezes as metas, regras e processos rígidos não nos trazem o cuidado com o caminho, com o outro e com a natureza. Por isso, é importante entender a liderança como uma facilitadora que dá direcionadores e base, porém também incluindo autonomia para fluir. É muito mais sobre as diretrizes de um veleiro do que a condução motorizada e veloz de um trem.


Assim, é interessante quando relacionamos momentos de crise econômica, ou qualquer outro tipo de crise, com os fenômenos naturais. Na natureza, temos os ciclos de expansão, contração e pausas, e eles vão existir independentemente de ações externas. Entendendo que a vida, as pessoas e os negócios também vivem esses momentos de expansão e retração, o importante passa a ser como lidamos com esses períodos em que nossos valores são colocados à prova. A natureza tem sua própria forma de reagir a isso: para continuar crescendo saudável, uma árvore precisa de seus momentos de poda e de troca das suas folhas.

As reflexões que emergiram a partir da relação feita por Satish Kumar entre a economia e a natureza me trouxeram uma clareza sobre os modelos de gestão que aprendemos nas faculdades e MBAs. Embora eficiente em alguns casos, esses modelos são tão desconectados do fluxo natural da vida e da conexão com o outro. Talvez as decisões mais complexas devam acontecer justamente a partir do que está vivo no momento e, daí, a importância do voltar-se para dentro.

Quando penso numa gestão voltada à sustentabilidade e impacto positivo, talvez esses caminhos mais fluidos possam desenhar o que acredito para o futuro das lideranças: mais holísticas e inclusivas. Afinal, Satish argumenta: “No novo paradigma, todos os seres estão inter-relacionados e ligados através de uma evolução e origens comuns, e todas as pessoas partilham de uma humanidade comum. A Terra é uma teia de vida e uma comunidade biótica.”

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