Recentemente fiz um curso na Escola Schumacher Brasil, braço brasileiro do Schumacher College criado por Satish Kumar, na Inglaterra, e que se tornou uma referência em sustentabilidade. A experiência foi muito diferente de outros cursos e vivências que já fiz, pois muito mais que slides preparados com conteúdos, autores e filósofos de referência, foi um momento de muita reflexão a partir de vivências com a natureza e com o grupo. Foi o que me fez entender o tema do curso, Empreendedorismo Vivo, e a importância da reconexão com o que está vivo, com a natureza, para novos entendimentos sobre economia, empreendedorismo e impacto positivo.
Em seu livro Solo, Alma e Sociedade: uma nova tríade para os nossos tempos, Satish traz importantes reflexões a partir do entendimento sobre Economia e Ecologia e propõe uma nova relação do homem com o planeta. “Primeiro, é preciso aprender a cuidar do solo. Vivemos do solo e voltaremos ao solo. O solo é uma metáfora do meio ambiente. Cuidando do solo, aprenderemos também a cuidar de nós mesmos. Somente então estaremos prontos para cuidar da sociedade”, afirma Satish. “Tem gente que quer cuidar do mundo, mas ainda não aprendeu a cuidar de si.”
No sentido literal das palavras, economia significa “administração da casa” e ecologia o “estudo da casa”. Mas a desconexão entre os dois saberes nos trouxeram às lógicas econômicas que temos hoje, nas quais ainda carregamos verdades absolutas que fizeram sentido em outro contexto, como na idade média, quando o controle da natureza começou a se fazer necessário em função de opressões como as pragas, por exemplo.
Se voltarmos a nossa atenção aos fenômenos que acontecem na natureza, conseguimos traçar paralelos interessantes com o empreendedorismo, gestão e liderança. Assistimos ao vídeo “Sincronia dos Pássaros”, no qual um bando de pássaros se organizam de forma sincronizada, como uma dança, um corpo. Surge aí uma reflexão sobre a noção de incerteza, instabilidade e participação, numa relação não-linear de interdependência dos pássaros, que pode ser relacionada também com a liderança e as pessoas que compõem uma organização.
No vídeo, sempre tem um pássaro que sugere a mudança, a troca de direção. Os significados estão emergindo a partir das dinâmicas relacionadas entre os seres, trazendo luz à habilidade de resposta dos outros pássaros a partir de uma mudança de rota. O empreendedorismo vivo se dá, então, a partir de um fluxo natural da vida e não tanto a partir de um planejamento ou pensamento estratégico pré-determinado. É menos sobre uma ação direta e mais sobre voltar-se para dentro, estar presente para entender a próxima ação e saber responder à ela.
Seguindo as metáforas do que está vivo, falamos sobre a Teoria da Complexidade, ou pensamento complexo, através de uma aula de tango. A Teoria traz uma visão interdisciplinar acerca de sistemas complexos adaptativos, isto é, um conjunto de unidades que interagem entre si e que exibem propriedades emergentes, além de tratar de comportamento emergentes, da complexidade das redes e da teoria do caos , na qual certos resultados são causados pela ação e interação de elementos de forma praticamente aleatória. Fora isso, a teoria da complexidade ainda aborda o comportamento dos sistemas distanciados, seu equilíbrio termodinâmico as suas capacidades de auto-organização.
A nossa tendência é criar padrões e, quando estamos presos nesses padrões, nos desconectamos do outro para pensar no processo. Nos desconectamos do que está vivo e da nossa habilidade de resposta. E a gente se vicia em criar processos e fluxos, principalmente quando falamos de gestão e liderança. Quando estamos presos ao modelo de referências fixas e tentando exercitar o improviso, a frustração de errar é maior e a nossa tendência é de voltar à estaca zero.
Contudo, quando se abre espaço para fluir a espontaneidade, dificilmente retornamos à estaca zero: entendemos o erro como aprendizado e nos permitimos seguir adiante. Nesse sentido, quando pensamos em negócio, muitas vezes as metas, regras e processos rígidos não nos trazem o cuidado com o caminho, com o outro e com a natureza. Por isso, é importante entender a liderança como uma facilitadora que dá direcionadores e base, porém também incluindo autonomia para fluir. É muito mais sobre as diretrizes de um veleiro do que a condução motorizada e veloz de um trem.
Assim, é interessante quando relacionamos momentos de crise econômica, ou qualquer outro tipo de crise, com os fenômenos naturais. Na natureza, temos os ciclos de expansão, contração e pausas, e eles vão existir independentemente de ações externas. Entendendo que a vida, as pessoas e os negócios também vivem esses momentos de expansão e retração, o importante passa a ser como lidamos com esses períodos em que nossos valores são colocados à prova. A natureza tem sua própria forma de reagir a isso: para continuar crescendo saudável, uma árvore precisa de seus momentos de poda e de troca das suas folhas.
As reflexões que emergiram a partir da relação feita por Satish Kumar entre a economia e a natureza me trouxeram uma clareza sobre os modelos de gestão que aprendemos nas faculdades e MBAs. Embora eficiente em alguns casos, esses modelos são tão desconectados do fluxo natural da vida e da conexão com o outro. Talvez as decisões mais complexas devam acontecer justamente a partir do que está vivo no momento e, daí, a importância do voltar-se para dentro.
Quando penso numa gestão voltada à sustentabilidade e impacto positivo, talvez esses caminhos mais fluidos possam desenhar o que acredito para o futuro das lideranças: mais holísticas e inclusivas. Afinal, Satish argumenta: “No novo paradigma, todos os seres estão inter-relacionados e ligados através de uma evolução e origens comuns, e todas as pessoas partilham de uma humanidade comum. A Terra é uma teia de vida e uma comunidade biótica.”