Em artigo para o SingularityHub, Raya Bidshahri trata das atuais iniciativas de hacking da consciência e como essa junção homem-máquina pode nos permitir atingir um novo patamar de consciência.

Mais do que um empresário de sucesso, Elon Musk se tornou uma das principais vozes quando o assunto é inteligência artificial. Ao mesmo tempo em que o dono da Tesla e da SpaceX traz o tema em pauta com um tom de alerta, também ele se beneficia da tecnologia ao implementá-la em seus carros autônomos, ao mesmo tempo em que sua mais nova empreitada, a Neuralink, busca uma forma de manter os seres humanos relevantes diante do desenvolvimento da I.A. a partir da junção de nossos corpos biológicos com implantes que promovam a simbiose entre essas duas inteligências — a artificial e a humana.

Mas como isso se daria? Ao mesmo tempo em que a neurociência e outras disciplinas ainda não conseguem definir com certeza absoluta o que é inteligência e o que é a consciência, cada vez mais dispositivos de interação cérebro-máquina vêm sendo desenvolvido por pioneiros (inclusive no Brasil, com o trabalho de Miguel Nicolelis), enquanto que futuristas como Ray Kurzweil já vislumbram um cenário, por volta da década de 2030, no qual seremos capazes de conectar nossos cérebros à internet com a ajuda de nanorrobôs que “permitirão uma conexão totalmente imersiva à realidade virtual por dentro do sistema nervoso, a comunicação direta entre um cérebro e outro a partir da internet, e, por outro lado, também expandir imensamente a inteligência humana.”

Independentemente de quão avançada essa trajetória evolutiva da tecnologia se dê por volta de 2030, é a junção entre homem e máquina que parece se tornar uma pauta cada vez mais importante e relevante não apenas a nível dos negócios, mas também nos impactos que isso causaria para nossa própria percepção como seres humanos e como espécie. Afinal, o que a habilidade de conectar nossos cérebros à internet poderia significar para nossos processos internos, nossa consciência, propriocepção (noção de si mesmo) ou ainda a experiência subjetiva que temos sobre a percepção de um Eu (self)?

Em artigo para o SingularityHub, Raya Bidshahri traz esse questionamento primeiramente apresentando uma possível definição mais holística do que seria a consciência: “ela engloba muitas de nossas capacidades fundamentais, como o estado desperto, a consciência de si, a meta-cognição, e o senso de agência. Além disso, a consciência representa um espectro da percepção, como visto em várias espécies animais. Mesmo os humanos experimentam diferentes níveis de percepções existenciais.”

Isso significa que substâncias psicodélicas e meditação, bem como diferentes outras ferramentas que já são usadas para alterar nossos estados de consciência (seja temporariamente ou permanentemente), podem tanto ser uma possibilidade de “enriquecimento” de nossa experiência como seres humanos ou até mesmo de transcendência. “Relativamente não-invasivas, essas ferramentas nos mostram que um desequilíbrio supostamente pequeno na neuroquímica e o esforço interno de consciência pode fazer à experiência subjetiva do ser humano”, escreve Bidshahri.

Para a autora, estamos entrando em um período em que os “hackers da consciência” ganham força ao usar técnicas não-invasivas de estimulação neural a partir de dispositivos EEG (eletro-encefalográficos), nutrição, realidade virtual e experiências estáticas que criam as condições necessárias para um novo patamar de consciência e propriocepção.

Em seu livro Stealing Fire: How Silicon Valley, the Navy SEALs, and Maverick Scientists are Revolutionizing the Way We Live and Work, Steven Kotler trata dessa economia que gira em torno dos estados alterados de consciência e que atualmente chega a atingir investimentos na casa dos trilhões de dólares. Mais do que o uso de LSD no Vale do Silício como uma forma de aprimorar a criatividade e de expandir a mente para a resolução de desafios e problemas, a habilidade de se alcançar outros estados de consciência “expõe nosso potencial e nos dá uma amostra de uma condição maior de existência.”

“Expandir a consciência através de melhorias do cérebro e implantes pode ser acessível um dia. Pesquisadores estão trabalhando em uma série de tecnologias neuronais bem simples e não-invasivas como os EEGs baseados em eletrodos até implantes invasivos e técnicas como a optogenética, na qual os neurônios são geneticamente reprogramados para responder aos pulsos de luz. Nós já conectamos dois cérebros pela internet, permitindo os dois de se comunicarem, e startups com uma visão de futuro estão pesquisando as possibilidades também. De olho nas interfaces cérebro-máquina mais avançadas, no ano passado Elon Musk revelou a Neuralink, empresa que tem como objetivo final fazer a união entre a mente humana e a inteligência artificial a partir do ‘neural lace.’”

Nesse contexto, não é mais a natureza que conduz a evolução das espécies, mas a escolha humana — como defendem Juan Enriquez e Steve Gullans no livro Evolving Ourselves. “Com os avanços na engenharia genética, nós estamos realmente vendo a evolução se tornar um processo cada vez mais consciente e com um ritmo acelerado. Isso pode um dia se aplicar à evolução de nossa consciência também; nós estaríamos usando nossa consciência para expandir nossa consciência”, escreve Raya Bidshahri.

Mas, de maneira prática, é muito difícil de se imaginar como se daria essa junção entre homem e máquina. Isto é, como questiona Bidshahri, não é fácil visualizar como nosso fluxo de consciência aconteceria caso se, um dia, pudéssemos processar nossos pensamentos e sentimentos mil vezes mais rápido, ou se implantes neurais contendo inteligência artificial poderão impactar na nossa capacidade de amar e odiar. E, afinal, o que a “ilusão do ‘Eu’” se parecerá quando nossa consciência estiver plugada diretamente à internet?

A animação japonesa Serial Experiments Lain trouxe já em 1998 uma reflexão sobre as questões da expansão de consciência e a conexão cérebro-cérebro a partir da internet, ali chamada de “Wired.” Como referência teórica, a obra ficcional trouxe os estudos de Timothy Leary e Robert Anton Wilson, que se utilizaram de meditação e substâncias psicodélicas para mapear os efeitos da mente alterada e, assim, esquematizar um sistema que eles cunharam de “8 circuitos de consciência.

A animação também discute questões como identidade e noção do Eu a partir do momento em que a separação entre o online e o offline se dissolve completamente, conforme tecnologias como a internet e a inteligência artificial perdem sua plataforma de acesso (telas) para se tornarem parte de nosso próprio organismo. Você pode também conferir minha monografiasobre a animação, concluída em 2009, para saber mais sobre essa obra de ficção científica.

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