Neste sábado, dia 17, a Japan House em São Paulo recebeu o roboticista japonês Hiroshi Ishiguro para a exibição e demonstração de seu robô Geminoid, uma cópia realista do cientista que é, muitas vezes, inclusive usada para substituí-lo em suas viagens, congressos e aulas na Universidade de Osaka, onde leciona.
Ishiguro fez uma apresentação sobre seu trabalho e sobre sua relação com robôs, comentando que desde os cinco anos seu interesse por robótica surgiu, em primeiro lugar, como um desejo em entender melhor os seres humanos. Se, por um lado, os adultos diziam que ele deveria levar em conta os sentimentos e emoções dos outros, ele percebeu que não era bem assim que isso realmente acontecia. E, afinal, o que seriam essas emoções? Ao criar robôs, o cientista então poderia recriar e emular esses comportamentos em máquinas para então poder entender melhor os humanos.
O pesquisador comenta que enquanto muitos engenheiros da robótica têm mais interesse em criar máquinas porque não se dão bem ou não se interessam por humanos, Ishiguro vai pela direção oposta. E é por isso que criar robôs realistas é tão importante, uma vez que, assim, a partir da emulação e da observação distanciada, pode-se tirar conclusões que, inclusive, muito dependem de outros conhecimentos científicos além da engenharia: é com a ajuda da neurociência, psicologia, sociologia e demais disciplinas humanas que, aliadas à tecnologia, poderão ajudar a gerar insights sobre aquilo que somos e aquilo que nos compõe como seres humanos.
Afinal, é a partir da simulação e da emulação performada pelos robôs realistas que, muitas vezes, acabamos caindo na armadilha em acreditar que essas máquinas são capazes de sentir e de se emocionar, assim como fazemos enquanto humanos. Para isso, no entanto, não é nem mesmo necessária uma interface realista como o Geminoid, mas algumas características que gerem empatia e que sejam suficientes para nos sentirmos compreendidos e em contato com essas máquinas. Um exemplo trazido pelo roboticista é o filme e peça de teatro intitulada Sayonara, de Oriza Hirata, na qual uma ginoide também desenvolvida por Ishiguro estrela na primeira obra cinematográfica e teatral a envolver a interação entre um humano e um robô humanoide real.
A obra, por consequência, acaba por trazer uma reflexão sobre a humanidade, o que fez com que críticos considerassem o filme “uma obra japonesa pós-apocalíptica, obscura, sem esperança e bastante depressiva.” Se, por um lado, o público da palestra de Ishiguro na Japan House se sentiu afetuoso com relação aos modelos do robô Sota (já comercializados no Japão), são exemplares realistas e muito parecidos com um ser humano que podem causar a sensação de estranheza conhecida na área como “uncanny valley.”
A polêmica, que acaba sendo um desafio para os roboticistas, vai além das questões técnicas, isto é, a escolha dos materiais usados na confecção das máquinas ou mesmo a programação de seu comportamento. De maneira geral, tanto Ishiguro quanto outros especialistas da área preferem se manter afastados da completa emulação hiperrealista do ser humano, portanto deixando alguns detalhes que dão pistas de que aquilo, afinal, se trata de um robô.
O que Ishiguro também buscou ressaltar é como a convivência com robôs se dará de maneira cada vez mais permanente e numerosa no futuro, pelo menos daqui uns 20 ou 30 anos, e estes não necessariamente precisam ser humanoides. No Japão, o cientista conta, já existem vários robôs implementados em estabelecimentos comerciais ou adquiridos pelos japoneses para que possam, por exemplo, aprender inglês sozinhos em casa. Ishiguro comenta que, apesar de os japoneses chegarem a estudar de 8 a 11 anos a língua inglesa, eles normalmente só sabem ler e escrever muito bem, mas não conseguem conversar: trata-se de um povo muito tímido e que prefere a interação com uma máquina que não irá fazer julgamentos ou se cansar em repetir e persistir no treino, em contrapartida a um professor humano.
E é a partir disso que o cientista ressalta como, na realidade, essas características que fazem com que os robôs sejam mais eficientes que os humanos acabarão causando a irremediável onda de desemprego e de substituição da mão de obra humana no mercado de trabalho. Ishiguro afirma que, no Japão, já se constata como essa tendência realmente será concretizada, uma vez que estabelecimentos comerciais que se utilizam de robôs para vender produtos ou refeições já conseguem obter uma receita maior: não só as crianças, mas também os adultos prestam mais atenção e preferem a interação com as máquinas. O cientista brinca, por exemplo, como muitas vezes os vendedores humanos em lojas de roupas acabam sendo falsos ao dizer que está tudo bonito porque precisam vender, e o robô não faria isso.
Para as Olimpíadas, Ishiguro comenta que já é esperado que diferentes robôs sejam instalados nas estações de metrô para atender à grande demanda de visitantes estrangeiros. Apesar de humanos serem capazes de aprender outras línguas, trata-se de um processo mais demorado e mais difícil do que simplesmente implementar esse sistema em uma máquina que não só compreenderá diferentes idiomas como terá facilidade em se comunicar a partir de todos eles. No tom dos comentários do cientista é evidente a priorização da eficiência trazida a partir dessas inovações tecnológicas e de como seus conterrâneos já estão não só acostumados como sedentos por esse tipo de tecnologia.
Ishiguro diz, por exemplo, que na casa de um japonês já é comum encontrar utensílios domésticos que falam — em sua casa, por exemplo, há pelo menos sete que o fazem. Para o cientista, a conversa é a maneira mais fácil e eficiente de se obter o resultado desejado. Como justificativa, ele traz o exemplo de uma panela de arroz, eletrodoméstico popular entre os japoneses. Se há um visor apenas com o número 5, não há como saber o que aquilo significa: faltam 5 minutos para o arroz terminar de cozinhar? Ou 5 horas? Ou já faz 5 minutos que o arroz está pronto? O que significa? Se a panela puder falar, então fica muito mais fácil para entendermos.
Por outro lado, o que o roboticista ressaltou ao longo de sua palestra foi como os filmes hollywoodianos estão completamente errados com o que apontam sobre a inteligência artificial e sobre os robôs. Diferentemente de cientistas ocidentais como Elon Musk e Stephen Hawking, que sempre estiveram preocupados em alertar os perigos da inteligência artificial, Ishiguro não acredita que um dia teremos o mundo e a espécie humana destruídos pelas máquinas. Ao ser questionado pela plateia com relação a isso, o engenheiro apenas sugeriu para que deixemos de levar em consideração esses filmes que não têm nada de científicos. “A humanidade já foi destruída milhares de vezes nos filmes hollywoodianos. Eu sugiro que vocês parem de assisti-los”, ponderou.
Apesar de Ishiguro ter até aparecido em um trecho inicial do filme Surrogates(2009), são obras japonesas e especialmente as de Oriza Hirata que o pesquisador indica para que consigamos pensar na relação entre homem e máquina e, acima de tudo, como essas máquinas são e serão capazes de nos fazer pensar e entender melhor a nós mesmos. No momento, Ishiguro ressalta que não existe uma inteligência artificial realmente potente e que dê total autonomia aos androides. O engenheiro não trouxe ao Brasil o seu kit que incluía a inteligência artificial capaz de fazer com que seu Geminoid pudesse interagir como um chatbot corporificado com a plateia, mas já existem exemplos, como a ginoide Erica, também desenvolvida por ele, que possuem essa capacidade interpretativa e que se baseia tanto em big data quanto neural computing para uma maior complexidade de suas funções.
Erica, aliás, também já foi usada para ser âncora de jornal no Japão, enquanto sua outra parceira, a Geminoid F usada no filme Sayonara, se tornou um case ao atuar como manequim em uma loja de roupas. Diante disso, Ishiguro problematiza como essas ginoides já estão ocupando a posição de Idols no Japão: enquanto celebridades são cobradas de terem uma aparência e performance infalíveis, apenas uma máquina seria capaz de assim realmente fazê-lo. E é por conta dessa substituição e possibilidade de se criar um robô capaz de atender a todas essas especificidades que esses mesmos androides e ginoides põem em debate a questão dos ideais de beleza.
Como já discutido aqui antes, inclusive trazendo o exemplo do trabalho de Ishiguro, tive a oportunidade de perguntar ao cientista sobre sua opinião profissional com relação ao fato de que não somente a indústria da robótica é principalmente composta por homens, mas também como uma esmagadora maioria dos robôs realistas são femininos. Uma das poucas exceções incluem o Geminoid de Ishiguro e outro androide construído pela Hanson Robotics, mas em ambos os casos, esses androides acabam por ser cópias de homens reais, enquanto as ginoides são criações robóticas que seguem os ideais de beleza defendidos pela mídia, como é o caso da ginoide EveR-1, que foi desenhada a partir da aparência média das principais celebridades coreanas.
O roboticista respondeu que, de fato, assim como a maioria das vozes robóticas são femininas, também os robôs realistas são majoritariamente femininos porque, como apontam as pesquisas, tanto adultos quanto crianças se sentem mais à vontade ao interagir com mulheres adultas do que com homens. Fora isso, é a partir da criação de uma máquina bela e agradável aos olhos que elas performarão o mesmo que seus símiles humanos já o fazem por conta de sua aparência, ou seja, seguindo a mesma lógica dos antigos manequins de loja.
Em outras palavras, o comentário de Ishiguro aponta para um direcionamento de perpetuação da lógica vigente no âmbito científico e tecnológico. Com isso,entendemos então a importância de se continuar investindo nas pesquisas e questionamentos das ciências humanas, de modo que esses padrões não continuem a serem repercutidos e multiplicados em novas tecnologias.
Isto é, se essas máquinas estão nos ajudando a entender melhor sobre nós mesmos, nossas emoções, capacidades e sentimentos, é também a partir delas que entenderemos melhor a maneira como enxergamos o outro. Essa talvez seja, portanto, uma nova chance de nos (re)adaptar e nos (re)educar para uma melhor convivência com nossos semelhantes orgânicos e não a substituição destes por seus símiles sintéticos.