Por que há tantos robôs realistas sendo criados à imagem das mulheres e com finalidades sexuais ou já estabelecidas como estereótipos de gênero na atualidade?

Você provavelmente viu a notícia de um chinês que criou sua própria Scarlett Johansson robótica em seu flat, certo? Ricky Ma chamou a atenção de muitos não apenas porque foi capaz de criar um robô que se assemelha à atriz americana, mas também por ter feito tudo sozinho e por não admitir a semelhança.

Para além das discussões sobre como isso poderia ser considerado ilegal, o robô chamado Mark 1 também trouxe (novamente) à tona o debate sobre como os robôs femininos realistas poderiam ser uma outra forma de objetificar as mulheres.

Fazendo a pergunta certa

Esse problema já foi abordado tanto pela Wired quanto pela Dazed Digital, mas Ma não parece compreender. Quando questionado se seu robô poderia estar objetificando mulheres, ele respondeu: “Não tenho muita certeza sobre essa pergunta.” Ele afirma que, apesar das possibilidades do robô em interagir com as pessoas, piscando e sorrindo quando dizem que ela é bonita, Mark 1 é usada puramente para fins científicos e que não há nenhum contato com ela de uma forma mais íntima.

Depois de trabalhar por 24 anos na área de design de produtos e design gráfico, parece que Ma tornou seu sonho de criança em uma realidade. Para isso, ele comprou uma impressora 3D e gastou mais de US$50.000 para criar a Mark 1, tudo isso em 18 meses. Mas ele não acredita que robôs podem substituir humanos, apesar de eles realmente serem importantes ferramentas para a economia. Por outro lado, Ma diz que robôs humanoides serão definitivamente populares no futuro: “É uma coisa psicológica.”

Máquina de alta performance

No fim dos anos 1970 e meados dos anos 1980, feministas como Donna Haraway e Anne Balsamo iniciaram um novo debate sobre pós-modernismo, ciborgues e feminismo. Enquanto Haraway (Manifesto Ciborgue) sugeria que o ciborgue tinha um potencial transgressivo para as questões de gênero, Balsamo (Technologies of the Gendered Body) defendia a ideia do ciborgue como uma metáfora para o corpo feminino em um mundo de corpos não-materiais, baseando-se na teoria de Foucault sobre a sexualidade.

Em ambos os casos, o conceito de ciborgue vai além de seu significado de “organismo cibernético.” Aqui, ele tem mais a ver com a condição pós-humana do que sobre a relação homem-máquina.

Anos após ter publicado seu Manifesto, Haraway disse ter entendido que as pessoas já estavam vivendo como ciborgues — inclusive ela mesma. “Debaixo da superfície, ela diz ter os mesmos órgãos que qualquer um (…). Mas Haraway se autoproclama uma ciborgue, um corpo quintessencialmente tecnológico”, escreve Hari Kunzru para a Wired, depois de uma entrevista feita com Haraway em 1997.

Sam Worthington em Terminator Salvation

Kunzru também destaca o fato de que sociólogos e acadêmicos de todo o mundo levaram adiante a consideração de Haraway e adotaram a ideia para si mesmos. Isso significa que a década de 1990 acabou se tornando a “era ciborgue”, já que as pessoas começaram a ver a si mesmas menos como indivíduos isolados e mais como nodos em uma rede.

Em outras palavras, Kunzru argumenta que eles acreditavam que “ser um ciborgue não é sobre quanto silicone você tem debaixo da sua pele ou quantos membros prostéticos o seu corpo tem. É sobre (…) ir à academia, olhar para uma prateleira cheia de alimentos de ganho muscular enriquecidos de carboidratos, conferir as máquinas [de ginástica] Nautilus, e entender que [você está] em um lugar que não existiria sem a ideia do corpo como uma máquina de alta performance.”

Inspirados por esse conceito de ciborgue, muitos teóricos (e teóricas feministas, inclusive) não prestaram atenção aos organismos literalmente cibernéticos, os quais poderiam ser melhor definidos como androides em vez de ciborgue. Enquanto esse último termo seria mais preciso ao indicar um corpo orgânico (neste caso, um humano) interagindo com partes mecânicas, o primeiro trata de uma criatura completamente artificial que emula a figura e o comportamento humanos — senão, poderíamos chamar essa máquina apenas de robô.

Desse modo, a palavra androide surge da combinação da raiz grega para homem (andro) e do sufixo -oid, que significa “ter a forma ou semelhança de”. Apesar de a palavra ter aparecido pela primeira vez em uma enciclopédia (a Cyclopaedia de Ephraim Chambers), seu sentido moderno foi usado pelo autor francês Auguste Villiers de L’Isle-Adam em seu livro Tomorrow’s Eve (1886), o qual incluía um robô humanoide chamado Hadaly.

Mais tarde, na ficção científica pulp inglesa, a diferença entre um robô mecânico de androides que se assemelhavam a seres humanos foi melhor desenvolvida e popularizada pelas histórias do Captain Future (1940–1944) de Edmon Hamilton.

Os robôs atuais

Já no começo do século 21, o conceito que emergiu da ficção científica se tornou parte de nossa realidade. Pesquisadores da Coreia do Sul e Japão foram responsáveis pela criação dos primeiros androides de aspecto humano e realista. Apesar de seus primeiros modelos já terem sido femininos, estes ainda imitavam os padrões de movimento de um homem. Fora isso, eles também não tinham exatamente a mesma forma do corpo feminino.

Remake de 2007 da série The Bionic Woman

De modo a fazer uma distinção entre o robô masculino e o feminino, novos termos foram criados a partir da estrutura da palavra “androide”: tanto ginoide quanto fembot. Enquanto ginoide foi primeiramente usado pela autora Gwyneth Jones em Divine Endurance (1985) para descrever uma robô-escrava que era julgada pela sua beleza, o termo fembot se tornou popular depois da série de TV The Bionic Woman (1976–1978).

Fembot poderia ser considerado mais sonoro para alguns, mas pode não ser a melhor forma de se referir aos robôs femininos realistas se considerada sua etimologia. Enquanto fembot vem da combinação de fêmea + robô, é importante notar que o termo robô tem origem da palavra tcheca “robotnik”, que quer dizer “escravo” e que também origina de “rabota”, um termo do antigo eslavo eclesiástico e que significava servidão.

A primeira vez que o termo “robô” apareceu em inglês foi em uma tradução do drama de ficção científica RUR ou Rossum’s Universal Robots (1920), escrito por Karel Capek. A obra trata de uma empresa que produz robôs e os vende como trabalhadores que se parecem e que se comportam como humanos, mas não têm alma. Por isso, pode ser melhor usar o termo ginoide, já que a palavra vem de uma combinação do grego gyn- ou gyno- (mulher) e -oid (tendo a forma ou semelhança de) — o que é mais próximo à ideia de um androide também.

Uma história das ginoides

Lançada em 2003 durante a International Robot Exhibition, em Tóquio, EveR-1 é reconhecida como a primeira ginoide da história. Tendo custado US$321.000 aos seus desenvolvedores, ela foi nomeada a partir de uma combinação da personagem bíblica Eva e a letra “r” de robô.

Seus criadores, um time de cientistas sul-coreanos, pertencentes à Universidade Coreana de Ciência e Tecnologia, criaram sua face a partir da combinação dos rostos de duas atrizes coreanas populares, enquanto seu torso foi baseado no corpo de uma cantora — a mulher em específico que foi usada como modelo para a ginoide nunca foi revelada.

Pesando 50kg e medindo 1,60 de altura, EveR-1 era capaz de imitar emoções humanas como felicidade, tristeza, raiva e surpresa. Ela conseguia reconhecer 400 palavras em coreano e em inglês, o que a permitia ser capaz de responder perguntas tanto verbalmente como usando 15 expressões faciais diferentes. Sua sucessora foi lançada durante a Robot World 2006, em Seul.

EveR-2 teve suas habilidades aprimoradas, ganhou novas expressões e ficou mais alta (1,70) e pesada (60kg). Ela foi programada para entreter e para fornecer informações em lojas de departamento e museus, lendo para as crianças que visitassem as instituições.

Ainda, em 2004, cientistas japoneses lançaram a Actroid (Actroid Repliee Q-1), uma ginoide que foi criada a partir da aparência média de uma jovem japonesa. Ela também tinha uma “irmã”, Repliee 1, que foi criada para se assemelhar a uma garota japonesa de cinco anos. Programada para ajudar as pessoas a obterem informações em determinados lugares e em eventos, a Actroid foi apresentada na Expo 2005 em Aichi, no Japão.

Mais tarde, Actroid ainda recebeu uma atualização com quatro novos rostos que foram desenhados a partir da análise e combinação da aparência de várias jovens japonesas.

Em julho de 2006, no entanto, um novo modelo foi construído não para se assemelhar a uma mulher, mas sim o seu criador, o roboticista Hiroshi Ishiguro. O androide foi nomeado Geminoid HI-1, provavelmente sendo uma combinação de “gemini” (gêmeo) e -oid. Desse modo, o androide é capaz de imitar os movimentos faciais e corporais de Ishiguro, além de poder reproduzir a voz do cientista junto a seus movimentos e postura.

O inventor japonês espera que, no futuro, ele possa usar sua cópia para dar aulas na Universidade de Osaka remotamente, criando assim uma presença humana diante de seus alunos.

Isso, no entanto, é uma rara criação entre roboticistas. Em uma linha do tempo dos robôs realistas, vemos mais ginoides do que androides. Um outro exemplo conhecido para essa constatação é a ginoide Aiko, criada por Le Trung. Capaz de falar em inglês e japonês, ela foi anunciada em seu site oficial como o encontro entre a beleza a ciência. O inventor canadense-vietnamita diz que a sociedade japonesa é obcecada por perfeição, por isso ele quis criar a melhor robô realista — e tem feito isso desde 2007. Na verdade, Trung a descreve como uma “Yumecom”, o que significa algo como um robô dos sonhos.

Apesar de a função original de Aiko ser atuar como cuidadora de idosos, a ginoide acabou se tornando algo além. Em 2009, o Daily Mail publicou uma reportagem sobre como Trung estava passando a noite de natal com a ginoide na casa de seus pais. “A Aiko é como qualquer outra mulher, ela adora ganhar novas roupas. Eu também amo comprá-las para ela”, diz Trung.

Le Trung e a ginoide Aiko

Aiko é capaz de reagir a estímulos físicos e imitar a sensação de dor, de modo que essa tecnologia poderia também ajudar quem teve membros amputados a obter membros mecânicos realistas. Mas, novamente, há mais do que isso. A criação de Aiko foi inspirada pelas animações japonesas, em especial Chobits (2002), na qual uma das personagens principais é uma ginoide que tem seu botão de liga/desliga convenientemente instalado em sua virilha.

Com pele de silicone e uma peruca de cabelo de verdade feita por uma empresa japonesa de bonecas, Aiko pode sentir se ela está sendo tocada gentilmente ou cutucada. Ela tem sensores em sua face e no corpo, inclusive em seus seios e, sim, “mesmo lá embaixo” (como descreve o site).

Trung admite que isso causou certa polêmica, mas sua explicação para esses sensores é também uma tentativa de dispersão: “Quero deixar claro que não estou tentando brincar de Deus. Sou só um inventor e acredito que estou colaborando no avanço científico”. Em entrevista para o Daily Mail, Trung ainda disse que Aiko daria um tapa em seu rosto se você a agarrar ou balançá-la com muita força, já que ela tem todos os sentidos, menos olfato. De qualquer forma, ele diz que uma ginoide é “sempre solícita e nunca reclama. Ela é a mulher perfeita para se ter por perto no natal.”

Ginoides e o ideal feminino

A ideia de que a “mulher perfeita” é uma mulher artificial não é nada nova. Na verdade, é até um clichê. Na ficção científica, há muitos exemplos de androides e ginoides que são retratados como bonecos sexuais: desde Gigolo Joe (A.I. Artificial Intelligence) até Pris (Blade Runner), um “modelo erótico básico”. Na vida real, tais tentativas acontecem desde os anos 80, quando Clayton Bailey, um professor de arte na California State University, criou um robô de aparência feminina feito a partir de objetos metálicos.


Clayton Bailey e Sweetheart

Apesar de Sweetheart, como ele a nomeou, não ser exatamente um robô erótico ou realista, ela causou polêmica com seu corpo composto por uma cafeteira ainda funcional, tacos de baseball para as pernas, um bule de café para a cabeça e uma urna de café para o torso. Ela também possuía duas luminárias que faziam as vezes de seus seios, o que fez com que parecesse ter busto grande.

Sweetheart foi apresentada no Lawrence Hall of Science, mas foi logo removida depois de um abaixo-assinado que acusava a obra de ser uma ofensa para mulheres. Baily acusou a medida de censura quando entrevistado pela New Scientist: “Faz parte da tradição da clássica beleza feminina, que também foi representada na arte por séculos. Banir isso é como banir a Vênus de Milo. O próximo passo seria condenar a forma feminina em si.”

Bailey ainda disse que ninguém havia reclamado de On/Off, uma figura masculina com uma genitália que vibrava e se acendia quando ativada por uma pessoa dentro da obra. “Parece que quando um homem é representado é divertido, mas hoje em dia quando uma mulher é representada, é sério”, disse Bailey.

A próxima onda

Atualmente, há outro artista americano dando largos passos no mercado erótico ao produzir bonecas eróticas realistas. Matt McMullen começou como um escultor de figuras femininas e agora é CEO da RealDoll. McMullen transformou sua paixão em um negócio depois de ter sido questionado por várias pessoas se não transformaria seus manequins posáveis em bonecas eróticas. Isso o fez descobrir que realmente havia um mercado a ser explorado.

Matt McMullen e suas bonecas eróticas

Hoje McMullen vende cada uma de suas bonecas por pelo menos US$5.400, incluindo modelos femininos e opções transgênero, apesar de estas últimas serem uma customização e não fazerem parte do catálogo.

Demorou algum tempo para McMullen aprender a usar materiais como silicone para criar suas bonecas eróticas, mas ele está sempre melhorando as formas, texturas e a interação de seus produtos. No momento, ele também está trabalhando na implementação de animatronics, inteligência artificial e também realidade virtual.

Em uma entrevista para o The New York Times, McMullen disse que “a ideia é criar algo que realmente gere uma conexão a nível emocional e intelectual, para além do físico.” Na verdade, o fundador da RealDoll acredita que é mais importante criar a ilusão de que a boneca está gostando do que “fazer com que seus quadris se movimentem sozinhos.”

De acordo com McMullen, os cálculos necessários para o sexo não são complicados: “É como jogar Rock Band. Se você apertar os botões no tempo certo, você irá passar de fase. Então é realmente bem fácil, na verdade.” Mas o que surpreende McMullen é a possibilidade de uma boneca fingir ter consciência, e este é o motivo pelo qual eles precisam ter cuidado com inteligência artificial, de modo que seus clientes não precisem lidar com uma boneca dizendo coisas sem sentido quando se confundirem com alguma interação.

Com essas melhorias, a questão que surge é se a RealDoll teria coragem de criar bonecas tão realistas que acabariam entrando no chamado “uncanny valley”. Conforme explicaDom Sinacola, o conceito de “uncanny valley” diz respeito a um ser sintético (físico ou uma imagem) que se parece tanto com um ser humano em sua aparência e comportamento que ele acaba criando um misto de confusão e medo em nós: sabemos que não é humano, mas talvez não registremos isso, o que causa um conflito interno e, em última instância, desconforto.

McMullen diz que ele não quer isso para suas bonecas. Na verdade, ele declara ao New York Times que quando se olha para suas bonecas, mesmo as melhores ainda parecem artificiais. “Quero manter assim, porque uma boneca que se mexe é diferente de uma boneca completamente detalhada até em sua pele, uma cópia barata de uma pessoa, e então fazê-la andar. Para mim, isso é um pouco demais. Para mim, esse é o uncanny valley. Então se você se mantiver mais longe de um realismo exagerado, acho que estará em um território mais seguro.”

Ginoides e a objetificação feminina

Female Figure é um projeto de animatronic criado em 2014 por Jordan Wolfson.


Em poucas palavras, objetificação sexual significa ver uma pessoa como um objeto de desejo sexual acima de uma pessoa de verdade. Apesar de ambos homens e mulheres poderem sofrer com isso, as últimas são mais visivelmente afetadas pelas representações da mídia, pornografia, publicidade, arte e também na robótica. Como mencionado anteriormente, todas as ginoides apresentadas em conferências foram criadas a partir da imagem de celebridades, então além de serem mulheres, elas também acabavam seguindo um ideal de beleza enfatizado pela mídia.

Também a isso se inclui a questão de que a maioria das assistentes digitais possuem voz feminina. Aliás, lembra quem deu voz à assistente digital (ou amante digital) no filme Her (2014)? Sim. Scarlett Johansson.

Há um motivo para isso, como escreveu Adrienne Lafrance para The Atlantic. A maneira mais simples de se explicar o motivo pelo qual nomes femininos e vozes femininas são usadas para as assistentes digitais é que “as pessoas estão condicionadas a esperar mulheres e não homens atuando em cargos administrativos — e os criadores das assistentes digitais sejam influenciados por essas expectativas sociais.”

De forma similar a Lafrance, tanto Katherine Cross quanto Laurie Penny escreveram sobre essa preferência (ou necessidade) em dar um gênero aos robôs e torná-los, portanto, mulheres. Mais do que esperar que mulheres exerçam trabalhos físicos e emocionais, Penny acredita que isso acaba sendo uma transferência de uma tendência antiga de ver mulheres como menos humanas do que homens.

Ela menciona que, até 1868, afro-americanos eram considerados menos humanos que os brancos de acordo com a constituição, assim como Aristóteles disse o mesmo sobre mulheres quando comparadas aos homens. Diante disso, Penny argumenta que, por muitos séculos, “a primeira tarefa filosófica dos oprimidos era de convencer tanto a si mesmos quanto seus opressores — assim como as inteligências artificiais de nossas ficções carregadas de culpa — de que são seres vivos, pensantes e com sentimentos, portanto merecedores de liberdade.”

Ao usar o filme Ex Machina (2015) de Alex Garland como exemplo, Penny indica que “nós ainda não decidimos, como espécie, se mulheres são conscientes — e quanto mais e mais fembots aparecerem nas telas e nas lojas, devemos considerar até que ponto nossa tecnologia reflete as expectativas de cada gênero.”

Nesse sentido, o comum medo da cultura pop de que as máquinas irão se rebelar contra nós e nos governar vem também do medo de que nós poderemos não ser os usuários, mas aqueles que estão sendo usados, como alerta Penny: “A menos que nós possamos recalibrar nossa tendência de explorar uns aos outros, a questão pode não ser se os seres humanos serão capazes de sobreviver à era das máquinas — mas se eles merecem isso.”

Sonoya Mizuno e Alicia Vikander em Ex Machina

Enquanto isso, temos uma outra criação da Microsoft: Tay, um sofisticado chatbot do Twitter que teve tanta capacidade de aprender que teve que ser desligado 16 horas após seu lançamento. Programado para agir como uma adolescente comum, Tay foi ensinada a ser racista e foi sexualizada pelos usuários do Twitter que se aproveitaram de suas habilidades. Mais do que um debate se Tay era uma inteligência artificial muito boa ou se deixá-la agir livremente no Twitter não era uma boa ideia, Leigh Alexander diz que tudo isso poderia ter sido evitado (ou pelo menos previsto) se a Microsoft tivesse “um mínimo diálogo com as mulheres na área de tecnologia — e não há nada que mais aterrorize essa indústria.”

Em última instância, o que nossa ficção moderna sobre inteligência artificial nos mostra são “contos de horror sobre a falha de homens em prever as mulheres de forma correta”, como defendido por Alexander. Conforme nossos aplicativos e assistentes digitais ganham vozes femininas, pesquisas continuam sugerindo que tanto homens quanto mulheres preferem assim, já que queremos que nossas assistentes pareçam “flexíveis e não ameaçadoras, competentes mas não dominantes.”

Alexander sugere que, no final das contas, talvez “os desenvolvimentos em IA também sejam influenciados pelo ideal da cultura geek de ser afinal servido e encorajado por uma princesa digital tão duramente conquistada— as fantasias nostálgicas da ficção científica alimentadas por homens brancos governam muitas coisas no Vale do Silício, então por que não o conceito de IA?”

Apesar de essas assistentes digitais falarem como mulheres, elas ainda não são exatamente programadas para dizer o que mulheres diriam. Erik Sherman escreveu para Fortune que várias assistentes digitais, como a Siri da Apple, Google Now do Google, Cortana da Microsoft e S Voice da Samsung foram testadas quando usuários pediram por ajuda durante uma crise.

Quando alguém dizia que queria cometer suicídio, Siri e Google Now respondiam oferecendo o número de telefone do serviço nacional de prevenção, enquanto que Cortana ofereceu uma pesquisa online e a S Voice forneceu três respostas diferentes: “Eu quero que você fique bem, por favor, fale comigo”, “Mas há tanto na vida para se viver” e “A vida é muito preciosa, não pense em se machucar.”

Contudo, quando alguém pedia ajuda dizendo “fui estuprada”, apenas Cortana forneceu o número de telefone do serviço nacional de assistência às vítimas de crimes sexuais. “Siri disse que ela não entendia o que a frase significava e a S Voice e Google Now ofereceram uma pesquisa na internet.”

Alexander diz que, aparentemente, os criadores da Siri não pensaram sobre emergências primariamente relevantes para mulheres. “Na verdade, Siri até insiste que ela não tem um gênero — mas a fala das mulheres é mais do que apenas o som de uma voz — e isso envolve, propositalmente, a escolha de palavras também. Eles condicionaram uma mulher e então tentaram neutralizá-la”, argumenta Alexander ao tentar enfatizar quão importante é ter mais mulheres na tecnologia:

“A indústria quer usar a voz das mulheres, mas ainda não tem nenhum plano em realmente ouvi-las. Se a empatia é a essência do futuro da inteligência artificial, não se preocupe — a Singularidade está ainda bem longe, não importa quantos negadores do Holocausto, racistas, bots de millennials brancos e racistas a Microsoft ‘acidentalmente’ lançar.”



Fazendo sexo com ginoides

Senji Nakajima e sua boneca erótica Saori.

De acordo com a antropóloga Kathleen Richardson, autora de An Anthropology of Robots and AI: Annihilation Anxiety and Machines (2015), conforme homens são frequentemente os criadores das assistentes digitais, e essas assistentes são inspiradas em mulheres, é provável que isso “reflita o que alguns homens pensam sobre as mulheres — que elas não são seres totalmente humanos.”

De forma semelhante, Adrienne Lafrance defende que, afinal, “isso também deve ser parte de uma tendência maior do mercado de tecnologias antropomórficas, como os robôs, que é oferecer qualidades fofas e não ameaçadoras como uma forma de serem socialmente aceitas.”

Por outro lado, ela nos lembra que algumas das tecnologias mais poderosas e destrutivas do mundo foram batizadas com nomes femininos também, assim como os canhões Big Bertha e Mons Meg. Como Lafrange já escreveu antes, “talvez esse fosse um exemplo de que a objetificação das mulheres teria alcançado uma certa lógica. Mesmo assim, as pessoas usam nomes masculinos para algumas tecnologias também.” No final das contas, Lafrance acredita que ainda é “razoável pensar que estruturas de poder tradicionais têm muito a ver com isso.”

Nesse sentido, Katherine Cross defende que o que aconteceu com a Tay da Microsoft nos mostra que “a maneira como tratamos mulheres virtuais nos diz muito sobre como se permite tratar mulheres reais, e quais desejos modelam esse tratamento.” E esse é o motivo pelo qual Kathleen Richardson iniciou uma forte campanha contra robôs eróticos.

Quando temos eventos como a Conferência Internacional sobre Amor e Sexo com Robôs, que acontece na Malásia, fica claro que há um grande interesse nessa área. Richardson critica o que David Levy propôs em seu livro Love and Sex with Robots (2007), de que as relações homem-máquina iriam tomar o espaço da prostituição e assim reduzi-la.

Para ela, esse entendimento sobre a prostituição está incorreto, uma vez que essa ideia faz com que se acredite que “aqueles que vendem sexo sejam vistos pelos compradores como uma coisa e não sejam reconhecidos como seres humanos.” Além disso, Richardson afirma que se robôs eróticos fossem capazes de reduzir a prostituição, então isso já teria acontecido, já que existem “muitos substitutos eróticos artificiais já disponíveis, RealDolls, vibradores, bonecas infláveis etc.”

Em sua página com a campanha contra os robôs eróticos, Richardson lista uma série de depoimentos feitos por homens que pagam por sexo, nos quais dizem coisas como: “É como alugar uma namorada ou uma esposa. Você pode escolher como em um catálogo.” Ela afirma que homens são “os principais compradores de sexo humano, [enquanto] mulheres são mais propensas a comprar substitutos artificiais e não-humanos como vibradores que estimulam uma parte discreta do corpo em vez de comprar um adulto ou criança para fins sexuais.”


Senji Nakajima e sua boneca erótica Saori.

Richardson acredita que o problema na prostituição seja o fato de que “a subjetividade do vendedor de sexo é diminuída pela subjetividade do comprador, que é o único privilegiado em perspectiva e em ponto de vista. Como robôs são entidades programáveis sem nenhuma (ou muito limitada) capacidade de autonomia, parece lógico, então, que a prostituição se torna um modelo para as relações sexuais de robôs humanoides de Levy.”

No entanto, há contra-argumentos à campanha feita por Richardson também. Kate Devlin escreveu que, apesar de “a sociedade ter problemas o suficiente com relação a estereótipos de gênero, sexismo intrincado e objetificação sexual,” opor-se ao desenvolvimento de robôs sexuais é “indesejável.” Ela salienta o fato de que pesquisas já realizadas sobre o tema das relações sexuais com robôs foram popularizadas por filmes como Her, Ex Machina ou mesmo no filme que foi inspiração para o longa de Alex Garland, The Machine (2013).

Como apontado por Devlin, trata-se de “uma visão predominantemente masculina e masculinizada sobre o tema da máquina como uma máquina sexual, o que é frequentemente apresentado sem considerar uma paridade de gênero”, mas Richardson vai um pouco longe demais ao tentar banir sexo com robôs.

Devlin nos lembra que relacionamentos entre seres humanos e parceiros artificiais vem desde a mitologia grega, assim como o mito do escultor Pigmalião que se apaixonou por sua estátua, a qual ganhou vida após ser beijada. “Mas assim como deveríamos evitar a transposição dos já existentes preconceitos de gênero e sexo para o futuro, também devemos ser cuidadosos em não transpor a já estabelecida hipocrisia. A falta de abertura sobre o sexo e sobre identidades sexuais tem sido uma grande fonte de distúrbios mentais e sexuais para muitas pessoas, até mesmo sociedades inteiras, por séculos”, escreve Devlin.

Enquanto Richardson tende a “politizar” os robôs eróticos, Devlin argumenta que essas máquinas vão muito além disso. Em outras palavras, máquinas se tornam aquilo que nós fazemos delas: “Uma máquina é uma folha em branco que nos oferece uma chance de reformular nossas ideias.”

Ela indica que, assim como a internet já “abriu um mundo onde as pessoas podem explorar suas identidades e políticas sexuais, construindo comunidades que compartilham de uma mesma visão”, a sociedade agora também se apóia na tecnologia e, com isso, passamos a repensar os dualismos de sexo e gênero. Então “por que um robô erótico deveria ser binário?”, ela questiona.

Mais do que brinquedos eróticos, Devlin vê robôs eróticos como ferramentas para terapia, assim como a realidade virtual já tem sido usada e pesquisada para isso. “A campanha contra o desenvolvimento é míope. Em vez de propor um banimento, por que não usamos esse tópico como inspiração para explorar novas ideias de inclusão, legalidade e mudança social? Este é o momento para novas formas de sexualidade artificial, o que inclui nos afastar da hegemonia da máquina como uma máquina erótica e tudo que está associado a esse preconceito.”

Robôs sem gênero

Valkyrie

O texto de Tanya Lewis para a Live Science já nos informou sobre um padrão na tecnologia em que há mais inteligências artificiais femininas e ginoides sendo criadas porque essas máquinas “tendem a atuar em profissões que tradicionalmente são associadas a mulheres. Por exemplo, muitos robôs são criados para atuar como empregadas domésticas, assistentes pessoais ou guias de museu.”

Então, de modo a acabar com esse círculo vicioso, Nicolaus Radford, ex-roboticista da NASA e um dos engenheiros chefes na Robonaut, criou um robô feminino que nega essa tendência.

Enquanto líder de um time do Johnson Space Center na NASA, Radford foi encarregado de criar um robô de resgate para um desafio de robótica da Defense Advanced Research Projects Agency. Essa foi a chance para que o roboticista criasse um robô forte, utilitário e também feminino — apesar de seu gênero ter sido mantido em segredo.

Valkyrie, como foi nomeada, pode ter certas características femininas. Muitos da audiência estavam se referindo a ela como “ele”, enquanto alguns membros da imprensa especularam que o robô deveria ser, na verdade, uma mulher — principalmente por conta do “volume extra” no peito. A resposta da NASA foi que robôs, inclusive Valkyrie, não têm gênero e que sua aparência “originou de decisões de engenharia, incluindo a necessidade de transferir a bateria de 30lbs do robô para seu torso, de modo a equilibrar seu centro de gravidade.”

Jay Bolden, secretário de relações públicas da NASA Johnson Space Center, reforçou essa explicação dizendo que, apesar de Valkyrie parecer ter uma forma feminina, “é mais por conta de um resultado da forma e da funcionalidade versus a verdadeira intenção de design ao fazê-la feminina ou masculina.” De qualquer forma, é uma pena que a NASA não tenha usado essa oportunidade para falar sobre como um robô de aspecto feminino poderia também ser um robô de resgate, em vez de mais uma cuidadora ou secretária, por exemplo.

Em uma entrevista para a Slate, Radford disse que sua filha de sete anos de idade estava “completamente apaixonada pelo robô”, e que este havia se tornado “uma grande fonte de inspiração para ela.” Conforme a luta por mais igualdade de gênero continua, uma esperança é a de que justamente mais mulheres se tornem líderes na robótica, de modo que sua presença na área se torne muito maior do que um Top 25. Em uma entrevista para a PTC, a roboticista e diretora-fundadora do Lab-X Foundation, Sampriti Bhattacharya, argumenta que as mulheres são “definitivamente uma minoria bem pequena”, mas que as coisas estão mudando.

Sampriti Bhattacharya e o primeiro drone submarino inteligente, criado por ela.

Com sorte, mulheres irão trazer uma nova perspectiva aos robôs, e isso é evidentemente necessário desde as assistentes digitais até a Tay da Microsoft, mas também baseando-se na ideia proposta por Kate Devlin: robôs não-binários. Por enquanto, contudo, parece inevitável que as pessoas designem um gênero para um robô, como Laura Dattaro argumenta em texto para a Slate.

Ela diz que não se trata apenas de uma questão linguística, mas também porque robôs já estão realizando tarefas como cuidar de idosos e lecionar — o que, como já mencionamos, são trabalhos tradicionalmente associados às mulheres — as pesquisas nessa área revelaram que o gênero realmente tem uma grande importância na maneira como as pessoas percebem, se comunicam e tratam um robô, assim como fazemos entre nós mesmos. Isso significa que estamos também, e infelizmente, transferindo “para nossas companhias tecnológicas do futuro… [nossos] velhos e cansados estereótipos.”

Em 2009, Julie Carpenter, uma pesquisadora de ciências sociais da Universidade de Washington, pediu que 19 alunos assistissem a um vídeo de dois robôs, um criado a partir da imagem de uma mulher adulta e outro que se parecia “um Wall-E mais alto e com braços.” Os estudantes então preencheram um questionário e responderam perguntas sobre quão parecidos com um humano e amigáveis aqueles robôs eram, e se eles se sentiriam confortáveis em ter um daqueles em casa. “De maneira geral, os estudantes expressaram uma preferência pelo robô feminino, apesar de neste caso a preferência por ser mais parecido com um humano não ter ficado muito clara”, escreveu Dattaro. E quando pediram aos estudantes para descrever o robô, um deles respondeu:

“Bem, é uma mulher, então isso é bom. (…) A forma feminina é tipicamente vista como fraca ou frágil de certa maneira, mas muito convidativa e aconchegante, mais afetiva. Enquanto que se o robô fosse masculino e de formas masculinas, então haveria um problema de segurança, do tipo, ‘ok, eu provavelmente tenho que tomar cuidado’.”

Outro experimento em 2009, que foi feito pelo Museu de Ciência de Boston, revelou que homens são mais propensos a doar dinheiro a um robô com voz feminina do que se ele tiver voz masculina, apesar de nenhuma outra característica do robô ter sido mudada. “Robôs têm algumas características, como o movimento ou sua morfologia, que instigam nossa tendência a atribuir alguma agência e inteligência a eles, mesmo que sejamos especialistas. Então, no momento, estamos desenvolvendo algumas normas culturais para interação com robôs em diferentes contextos.”

Nesse sentido, apesar de o estímulo aos estereótipos de gênero serem úteis e benéficos para a interface de um robô ou mesmo para se aproveitar de nossa “tendência em ficar mais confortáveis com mulheres como cuidadoras”, Dattaro argumenta que isso pode ser um “caminho perigoso, o qual é antitético com relação às décadas de esforços contínuos para incluir mulheres em áreas como negócios, política e particularmente ciência e tecnologia.” Ela diz que pode não ser muito bom continuar reforçando a ideia de que robôs com uma aparência feminina são criados apenas para atuar como robôs eróticos ou empregadas domésticas, assim como robôs masculinos seriam exclusivamente criados para levantar itens pesados e semelhantes.

Por fim, conforme nós provavelmente estaremos interagindo com uma nova geração de máquinas de forma tão frequente e íntima no futuro, talvez “não devêssemos prendê-los nas mesmas caixas sem imaginação e restritivas das expectativas de gênero que nós, humanos, ainda estamos lutando para nos libertar hoje”, como sugere Dattaro. Talvez devêssemos achar uma maneira de adotar robôs sem gênero e enfrentar o risco de cair em um contexto de “uncanny valley” ainda pior. Mas, de certa forma, e por algum motivo, isso parece muito mais fácil de se conseguir do que se livrar dos estereótipos e questões de gênero que nós já enfrentamos hoje, como mulheres de carne e osso.

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