Geralmente trago aqui algumas referências de textos e reflexões em cima de conteúdos escritos por terceiros, mas o artigo de hoje pretende ser, na realidade, uma tradução livre da excelente publicação “Athleisure, barre and kale: the tyranny of the ideal woman” escrita por Jia Tolentino para o The Guardian. Mais do que mencioná-lo na newsletter, acredito que se trate de um artigo extremamente importante para mulheres, mas também para homens. Vocês entenderão conforme seguir a leitura (e obrigada Murilo pela dica!)
Como nos tornamos dopadas pelo trabalho duro do autoaprimoramento.
A mulher ideal sempre foi genérica. Aposto que você pode imaginar uma versão dela que apresenta algum programa hoje. Ela tem idade indeterminada, mas parece com certeza jovem. Ela tem cabelos brilhantes e limpos, é a pura expressão de uma pessoa que acredita que ela foi feita para ser olhada. Ela frequentemente é luxuosa quando você a vê — em praias remotas, sob as estrelas no deserto, sentada em uma mesa cuidadosamente estilizada, cercada por objetos lindos ou amigos fotogênicos. Mostrar-se em um momento de lazer é boa parte do seu trabalho ou uma parte essencial dele; nele, ela não é tão diferente — para muitas pessoas hoje, especialmente mulheres, embalar e divulgar sua imagem é uma habilidade rápida de ganhar dinheiro. Ela tem uma marca pessoal e provavelmente um namorado ou marido: ela é a realização física de sua constante, invisível audiência, o qual reafirma seu status como uma pessoa interessante, um objeto de valor, um espetáculo autogerado com um público em anexo.
Você já consegue imaginar essa mulher? Ela se parece com um Instagram — o que quer dizer, uma mulher comum reproduzindo as lições do mercado, as quais são sobre como uma mulher comum evolui para um ideal. O processo requer máxima obediência por parte da mulher em questão, e — idealmente — seu entusiasmo genuíno também. Essa mulher é sinceramente interessada em qualquer demanda do seu mercado (boa aparência, a impressão de uma juventude indefinidamente estendida, habilidades avançadas de apresentação e controle de si mesma). Ela é igualmente interessada em qualquer coisa que o mercado a oferece — nas ferramentas que irão permitir que ela seja ainda mais atraente, ainda mais apresentável, para espremer o quanto for possível de valor para sua posição particular.
A mulher ideal, em outras palavras, está sempre melhorando. Ela tira vantagem da tecnologia, tanto no sentido de divulgação da sua imagem e no meticuloso melhoramento de sua própria imagem. Seu cabelo parece caro. Ela gasta muito dinheiro cuidando da sua pele, um processo que se tornou um aspecto sagrado de um ritual espiritual e uma regularidade mundana que começa junto com o alarme para despertar.
O trabalho anteriormente performado pela maquiagem foi incorporado diretamente na sua face: suas maçãs do rosto ou lábios foram enxertados, ou algumas linhas foram preenchidas, seus cílios são alongados a cada quatro semanas por um profissional que usa cílios individuais e cola. O mesmo também ocorre com seu corpo, que não mais requer melhorias tradicionais como roupa ou lingerie estratégica; ele foi pré-moldado por exercícios que garantem que há pouco para esconder ou corrigir.
Tudo sobre essa mulher foi preventivamente controlada ao ponto de que ela pode garantir a impressão da espontaneidade e, mais importante ainda, a sensação dela — ela se esforçou em se livrar da sua vida de obstáculos artificiais, ela frequentemente se sente legitimamente despreocupada. A mulher ideal pode ser o que ela quiser — desde que ela consiga fingir ao ponto de acreditar que melhorar a si mesma e simplificar suas relações com o mundo podem ser uma questão tanto de trabalho e prazer, ou, em outras palavras, “estilo de vida.” A mulher ideal bebe uma variedade da sucos caros, faz exercícios físicos de butique, tem rotinas de cuidado da pele e férias, e assim ela permanece alegremente.
A maioria das mulheres acredita serem pensadoras independentes. Mesmo as capas brilhantes das revistas femininas agora apresentam um modelo de ceticismo sobre narrativas top-down quanto à maneira como nos parecemos, quem e quando devemos nos casar, como devemos viver. Mas o parasita psicológico da mulher ideal evoluiu para sobreviver em um ecossistema que finge resistir à ela. Se as mulheres começassem a resistir a uma estética, como o uso exagerado do Photoshop, a estética simplesmente muda para se adaptar; o poder da imagem ideal nunca realmente diminui. Agora é fácil o suficiente de convencer as mulheres as serem céticas sobre anúncios e capas de revistas, imagens produzidas por profissionais. É mais difícil para nós suspeitar de imagens produzidas por nossas semelhantes, e quase impossível de suspeitar das imagens que produzimos de nós mesmas, para nosso bel prazer e benefício — apesar de, em um tempo no qual o uso constante das redes sociais se tornou amplamente enquadrado como um tipo de carreira, muitas de nós somos efetivamente profissionais também.
O ideal da mulher hoje é de um tipo que coexiste facilmente com o feminismo em sua atual forma mercadologicamente amigável e mainstream. Esse tipo de feminismo se organizou sobre a questão de ser visível e atraente para tantas pessoas quanto for possível; ele amplamente supervalorizou o sucesso ideal das mulheres. O feminismo não erradicou a tirania da mulher ideal, mas, em vez disso, emaranhou-se nele e tornou-o mais complicado. Hoje em dia, talvez seja mais psicologicamente difícil de se perceber do que outrora para uma mulher comum que ela está gastando sua vida indo em direção a uma miragem idealizada de sua própria autoimagem. Ela pode acreditar — o suficiente e com o completo reforço do feminismo — que ela é a própria arquiteta do incrível, constante e frequentemente prazeroso tipo de poder que essa imagem carrega ao longo do seu tempo, seu dinheiro, suas decisões, sua identidade e sua alma.
Descobrir como “melhorar” no quesito ser mulher é um projeto ridículo e frequentemente amoral — um subconjunto de um maior, mas igualmente ridículo e igualmente amoral, projeto de aprendizagem sobre como melhorar nossas vidas no contexto de um capitalismo acelerado. Nessas buscas, a maioria dos prazeres acabam sendo armadilhas, e todas as demandas públicas crescem perpetuamente. A satisfação permanece, sob os termos do sistema, necessariamente fora de alcance.
Mas quanto pior as coisas ficam, mais a pessoa é compelida a otimizar. Eu penso sobre isso toda vez que faço algo que parece particularmente eficiente e de interesse próprio, como ir a uma aula de barre fit ou comer meu almoço numa franquia de saladas como a Sweetgreen, o que faz sentir menos como um lugar para comer e mais como uma estação de reabastecimento. Eu como repulsivamente rápido na maioria das situações — meu namorado disse uma vez que eu mastigo como se alguma pessoa estivesse para tirar minha comida de mim — e, na Sweetgreen, eu como ainda mais rápido porque (assim como em muitas coisas na vida) reduzir o ritmo mesmo que seja por um segundo pode fazer o maquinário te dar arrepios. A Sweetgreen é uma maravilha do autoaprimoramento: uma linha de 40 pessoas — mandando mensagens, vendo a timeline, olhando pra tela — pode ser processada em 10 minutos, conforme cliente após cliente compra uma salada de couve caesar com frango sem nem olhar para a outra fila de pessoas de pele escura e com rede no cabelo, as quais estão ocupadas colocando frango na salada caesar de couve, como se isso fosse o propósito de suas vidas, do mesmo modo que o propósito da vida de seus consumidores é enviar emails 16 horas por dia com um breve intervalo para engolir uma tigela de nutrientes que compensa o aspecto nada saudável da vida profissional urbana.
A ritualização e a limpeza desse processo (e o fato de que a Sweetgreen é muito boa) obscurecem o intenso e circular artifício que define o tipo de vida ao qual ela foi feita para servir. O consumidor ideal de salada precisa comer sua salada de 12 dólares em 10 minutos, porque ele precisa de tempo extra para continuar funcionando no trabalho que o permite pagar por uma salada de 12 dólares em primeiro lugar. Ele sente uma necessidade física por essa salada de 12 dólares, e é a forma mais confiável e conveniente de construir uma barreira de vitaminas contra o mau funcionamento generalizado que vem com esse trabalho de fazer-salada-e-entregar. Como Matt Buchanan escreveu no Awl em 2015, a salada é criada para “liberar a mão e os olhos de uma pessoa da tarefa de consumir nutrientes, de modo que sua atenção preciosa pode ser direcionada a uma tela pequena, que é mais urgentemente requisitada, já que ela pode consumir dados: o e-mail do trabalho ou o catálogo quase infinito da Amazon ou a linha do tempo verdadeiramente infinita do Facebook, onde, alguém compra fraldas ou interage com uma publicidade que aparece entre boatos e fotos de bebês, alguém que está sendo produtivo ao gerar lucro para uma grande empresa de internet, a qual é obviamente boa para a economia, ou pelo menos é certamente melhor que usar o almoço para ler um livro na biblioteca, porque quem está fazendo dinheiro com isso?”
Nos termos atuais, o que Buchanan está descrevendo é a boa vida. Significa progresso, individuação. É o que você faz quando você avançou um pouco na vida, quando você quer avançar um pouco mais. O aspecto de rodinha de hamster está evidente já há muito tempo. Mas hoje, em uma economia definida pela precaridade, cada vez mais daquilo que é simplesmente estúpido e adaptativo se tornou estúpido e compulsório. A vulnerabilidade, que sempre esteve presente, deve ser repelida a todo custo. E então eu vou ao Sweetgreen nos dias em que eu preciso comer vegetais muito rapidamente porque estou trabalhando até à 1 da manhã a semana inteira e não tenho tempo para fazer o jantar, porque eu tenho que trabalhar até a 1 da manhã de novo, e como uma idiota, eu tento fazer contato visual com o segurança cansado, assim como se isso fosse aliviar alguma coisa nos requerimentos cada vez mais altos de produtividade que são forçados nessas duas linhas de pessoas que anotam e criam saladas caesar de couve todo dia, e então eu “pego” minha salada e a como em menos de 10 minutos enquanto olho meu e-mail.
É muito fácil, sob as condições da condição artificial mas continuamente crescente de ver a si mesma organizando sua vida em torno de práticas que você acha ridículas e possivelmente indefensáveis. As mulheres sabem disso intimamente há muito tempo.
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Eu era uma adepta tardia dos hábitos físicos funcionais, como comer vegetais e se exercitar. Eu fui uma ginasta quando criança e então uma animadora de torcida depois, mas uma coisa era divertida e a outra era efetivamente um requerimento: na minha escola, você tinha que praticar esporte, e eu não tinha coordenação entre minha visão e minhas mãos para fazer qualquer outra coisa. Como adolescente, eu sobrevivi de pizza e queijo e rolos de canela, tentando imunizar a mim mesma com apatia e busca por prazer através do prolongado tempo em que as meninas, sufocadas pelas súbitas expectativas de beleza, transmitiam anorexia e bulimia umas às outras como um vírus. Durante boa parte de uma década, eu imaginei que era melhor eu ser um pouco não saudável e deixar de ativamente procurar por resultados relacionados ao meu corpo apenas.
Tudo isso mudou quando fiz 21 anos e me voluntariei ao Peace Corps. Nessas circunstâncias, era impossível pensar muito sobre minha aparência, enquanto que saúde era algo de importância imediata e estava sempre na minha cabeça. Eu comecei a fazer yoga no meu quarto todos os dias como uma medida profilática contra um surto mental. Quando retornei aos Estados Unidos em 2011, eu continuei fazendo isso. Yoga me ajudou a ser gentil comigo mesma durante o processo de readequação, quando eu era constantemente afogada em pavor e inutilidade espiritual, a sensação de que eu tinha falhado.
E então, em 2012, no fim de uma aula de yoga, eu senti algo mudar. Eu estava na faculdade, imersa em um período de cervejas durante o dia e completo auto-descobrimento, e eu estava largando mão de vez, repentinamente pensando por que a falta de ação deveria ser relaxante. O espectro da estagnação ficava cada vez mais pesado sobre a minha existência. Eu perdi, de repente, uma parte de mim que tinha buscava por nitidez, robustez, disciplina. Eu dirigi esses instintos na minha mente, escondendo-os do meu corpo, mas por que? Naquele momento eu precisava de algo mais forte que yoga, a facilidade sem restrição que me lembrou que, só então, eu não sabia o que eu estava fazendo, e provavelmente nunca saberia.
Então, mais tarde naquela mesma semana, imprimi uma oferta do Groupon para ir a um estúdio chamado Pure Barre. Fui recebida por uma instrutora que parecia a Jessica Rabbit: olhos verde claro, um corpo do tipo ampulheta fisicamente impossível, cabelos cor de mel caindo abaixo de sua cintura. Ela me conduziu a uma sala escura cheia de mulheres sinuosas pegando objetos misteriosos feitos de borracha vermelha. A parede da frente era espelhada. As mulheres encaravam seus reflexos, sem expressão, preparando-se.
Então a aula começou e eu entrei imediatamente em um estado de emergência. Barre é uma atividade maníaca e ritualizada, frequentemente praticada com música ensurdecedora e mudanças de luz. As séries rápidas de posições e movimentos, ditadas e reforçadas pela instrutora, faziam pensar o que uma bailarina faria se você a fizesse ter uma concussão e então engolir comprimidos de cafeína — uma rotina fanática e repetitiva de gestos com os braços, levantamento de pernas e exercícios pélvicos.
Ao fim da aula, os músculos da minha perna tinham se liquefeito. Jessica apagou as luzes e então comentou que era hora da “dança de costas”, um termo que eu pensei, jogada no chão, que soava algo como o que uma pessoa escreveria em um fórum de pais como um eufemismo de sexo. Era, de fato, fingir estar transando: nós deitamos de costas e levantamos nossos quadris no escuro com uma devoção sacrificial que eu não havia dedicado a sexo de verdade há anos. As luzes se acenderam. Jessica disse: “Bom trabalho, meninas.” Todas aplaudiram.
Barre foi inventado nos anos 60 por Lotte Berk, uma bailarina judia que desenvolveu um método de exercícios baseados no seu treinamento de dança e, aos 45, com seu corpo rigidamente disciplinado tal como um outdoor ambulante, fundou um estúdio de exercícios apenas para mulheres em um porão na rua Manchester em Londres. Agora é uma fixação nos Estados Unidos. A popularidade do barre é sem precedentes em alguns aspectos: assim como exercícios físicos vêm e vão, nada tão caro e tão uniforme expandiu no nível de studios individuais em vez de franquias nacionais. (Aulas de yoga geralmente custam $20 ou menos, enquanto que barre, se você pagar o preço cheio, geralmente custa o dobro.) Entre centenas de milhares de mulheres em cenários políticos e culturais dramaticamente diferentes, parece haver um acerto fácil que o barre vale a pena.
No colégio, eu me tornei uma fiel. Eu fui instruída, primeiro no meu regime feminino de treinos físicos — dança, ginástica, animadora de torcida — e então yoga, minha terapia que eu comecei lentamente a entender que, é possível, sem óbvias consequências negativas, controlar o jeito que seu corpo se sente por dentro e funcionava do lado de fora ao pagar pessoas para lhe dar ordens em salas pequenas e espelhadas. Barre era muito caro para meu orçamento de estudante universitária, mas eu continuei pagando. Parecia mais um investimento por uma vida mais funcional.
Mas era na saúde que eu estava investido? De forma bem reducionista, sim. Barre me fez mais forte e melhorou minha postura. Ele me deu o luxo — sem limites para tantas pessoas, por tantos motivos estúpidos — de não ter que pensar sobre meu corpo, porque geralmente era bom, geralmente funcionava.
Mas a resistência que o barre dá é possivelmente mais psicológica do que física. O que realmente é bom nisso é que você fica em forma para uma vida capitalista acelerada. O barre te prepara menos para uma meia maratona do que para um dia de trabalho de 12 horas, ou uma semana sozinha com uma criança e nenhuma babá, ou uma comutação à noite em um trem de baixa qualidade. O barre parecia um exercício à maneira que o Sweetgreen parecia uma alimentação: ambos eram melhor categorizados como mecanismos que te ajudam a adaptar à arbitrária e prolongada agonia. Como uma forma de exercício, barre era ideal para uma era na qual todos têm que trabalhar constantemente — você pode voltar para o escritório em cinco minutos, sem precisar tomar banho — e no qual mulheres ainda esperam poder ter uma aparência razoavelmente boa.
E, claro, é essa última parte, a aparência, que faz com que o barre pareça valer tão a penas para tantas pessoas. O barre é focado em resultados e em aparência — ele tem o estilo de culto do CrossFit ou uma aula do tipo boot camp, mas com a aparência, não com a força, que é o objetivo primário. É vagamente conectado ao balé em termos de movimentos, mas conceitualmente, o balé essencial para a inspiração. Entre mulheres, bailarinas têm uma razão legítima para parecerem tensas e disciplinadas. Há muitas outras mulheres que são magras e graciosas por questões profissionais — modelos, acompanhantes, atrizes — mas bailarias alcançam um padrão de beleza não apenas em nome da aparência ou da performance, mas também em nome de um alto atletismo e arte. E então o método de exercício mesmo que nominalmente retirado do balé tem esse efeito sutil de dar às mulheres u ma sensação de que se trata de algo sério, artístico e de propósito profissional no que diz respeito à sua busca pelo corpo ideal. É um bom investimento ou, mais precisamente, uma autossabotagem pragmática. Aprender como funcionar mais eficientemente num sistema exaustivo: isso a mim parece ser a questão do barre, o que faz com que pessoas paguem $40 por aula, um investimento que sempre dá retorno.
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O termo “otimização” foi usado pela primeira vez da maneira que usamos hoje na economia, em meados do século 19. “Para satisfazer nossas vontades ao máximo com o mínimo esforço — para procurar a maior quantidade do que é desejável com o menor custo do que é indesejável — em outras palavras, maximizar o prazer é o problema da economia”, escreveu William Stanley Jevons em Teoria Política da Economia. Todos nós queremos o melhor daquilo que temos.
Hoje, o princípio da otimização — o processo de fazer algo, como o dicionário diz, “o mais perfeito, funcional ou efetivo possível” — chega ao extremo. Uma indústria inteira chegou a nascer para dar à otimização um uniforme: athleisure, o tipo de roupa que você usa quando você está atuando ou sinalizando seu desejo de ter uma vida otimizada. Eu defino athleisure como roupas de exercício que você paga caro demais, mas definindo mais amplamente, athleisure se tornou uma categoria valorada em $95 bilhões em 2016.
Desde sua emergência por volta de uma década atrás, o athleisure passou por algumas iterações estéticas. Primeiro, eram leggings pretas e camisetas coloridas — uma versão spandex dos uniformes preferidos das mulheres que poderiam ter, na época da ascensão do athleisure, mudado suas interações sociais diárias para o yoga e encontros numa cafeteria. Mais recentemente, o athleisure se expandiu e se ressignificou em permutações. Há um tipo de look cósmico hippie (estampas elaboradas, padrões de galáxia), um tipo de look monocromático de LA (transparências, cores neutras, bonés de baseball), uma estética minimalista e polida estética da Outdoor Voices e uma corrente de péssimos slogans como “Vejo você no Barre”. As marcas são Lululemon (“Wunder Under High-Rise Tights”, descritas como “estilosas”, custando $98), Athleta (“Pacifica Countoured Hoodie Tank”, uma camiseta com capuz, custando $59), Sweaty Betty (“Power Wetlook Mesh Crop Leggings”, que são “escultoras de bumbum”, por $120), a assombrosa marca Spiritual Gangster (leggings com “Namaste” na bunda, $88; camiseta de algodão com estampa escrito “Eu verei quando eu acreditar”, $56).
Homens usam athleisure, mas a ideia, e a vasta maioria da categoria, pertence às mulheres. Ela foi criada a partir do hábito de mães que ficam em casa, universitárias, profissionais fitness, modelos off-duty — mulheres que usam roupas de exercício fora de um contexto de exercício e que, como bailarias, têm motivos superiores para monitorar o valor de mercado de sua aparência. Esse incentivo profundo está escondido por um monte de outras coisas mais óbvias: essas roupas são fáceis de vestir, podem ser lavadas na máquina, não amassam. Athleisure — como todas as experiências de otimização e seus produtos — é confiavelmente confortável e dá apoio em um mundo que não é assim. Em 2016, Moira Wegel escreveu, na revista Real Life, “Lululemons anuncia que para o consumidor, a vida ficou com menos atrito.” Ela se lembra de ter colocado uma cinta Spanx pela primeira vez: “A palavra para como aquele casulo me fez sentir era otimizada.”
Spandex — o material presente tanto na Spanx quanto nas leggings caras — foi inventado durante a Segunda Guerra Mundial, quando os militares estavam tentando desenvolver novos tecidos de paraquedas. É incrivelmente flexível, resiliente e forte. Parece confortável vestir spandex de boa qualidade, mas esse senso de reafirmação é combinado a uma demanda subcorrente. Cintas controlam o corpo sob a roupa; o athleisure ressalta nosso comprometimento em controlar nosso corpo através de exercícios físicos. E mesmo para adquirir um par de Lululemons, você tem que ter um corpo com aparência disciplinada. (Os fundadores da empresa uma vez disseram que “certas mulheres” não devem vestir essa marca.) “Auto-exposição e auto-policiamento se encontram em um círculo vicioso”, escreveu Weigel. “Porque essas calças só ‘funcionam’ em um tipo específico de corpo, vesti-las faz com que você se lembre de sair de casa e conquistar aquele corpo.”
É assim que o athleisure encontrou espaço entre as roupas de academia e a moda: a primeira categoria otimiza a performance, a segunda otimiza sua aparência, e o athleisure faz as duas coisas simultaneamente. É feita sob medida para um tempo em que o trabalho é embalado como prazer para que nós possamos aceitá-lo mais — um tempo em que, para mulheres, melhorar a aparência é um trabalho que você deveria acreditar ser divertido. E a grande sacada do athleisure é que a maneira como ele fisicamente sugere que você foi feita para isso — que você é o tipo de pessoa que pensa estar dando o melhor de si para uma uma existência de consumidora altamente funcional e extremamente atraente, e como isso é algo bom para ser a maneira como você passa seu tempo aqui na Terra.
Eu recentemente comprei meu primeiro par de Spanx em preparação para um casamento. Minha amiga mais velha estava se casando no Texas e os vestidos das madrinhas — nós treze — eram rosa pálido, longos até o chão e justos como papel de embalagem do colarinho aos joelhos. Quando eu experimentei o vestido pela primeira vez, eu pude ver por dentro do meu umbigo pelo espelho. Emburrada, eu fui online e comprei um “Haute Countour High-Waisted Thong” por $98. A cinta chegou alguns dias depois e eu a experimentei com o vestido: eu não podia respirar decentemente, então eu imediatamente comecei a suar e tudo pareceu ainda pior. “Que caralho”, eu disse, encarando meu reflexo. Eu parecia uma imitação ruim de uma mulher que tinha como seu objetivo mais profundo o de parecer gostosa nas fotos. E, claro, naquele momento, vestindo uma cinta de punição custando $98 e um vestido criado para uma modelo de Instagram, era exatamente o que eu era.
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A mulher ideal parece bela, feliz, despojada e perfeitamente competente. Será? Parecer-se de alguma forma particular e realmente ser daquele jeito são conceitos separados, e lutar para parecer despojada e feliz pode interferir na sua habilidade de realmente sentir isso. A internet codifica esse problema, faz com que ele seja inescapável; nos últimos anos, a cultura pop começou a refletir as fraturas na identidade que as redes sociais criam. Não coincidentemente, essas histórias frequentemente se concentram em mulheres, e muitas vezes envolvem uma protagonista levada à insanidade pelo avatar digital de uma colega ideal. Há uma exagerado fatalismo binário nessas histórias, nas quais mulheres ou são sucessos ou fracassos, sempre um ou outro — e um senso de inescapabilidade que parece ainda mais real na vida. Se você não pode escapar do mercado, então por que parar de seguir seus termos?
As mulheres estão genuinamente aprisionadas na intersecção do capitalismo e do patriarcado — dois sistemas que, nos seus extremos, garantem que o sucesso individual vem às custas da moralidade coletiva. E, mesmo assim, há um enorme prazer no sucesso individual. Parece haver uma licença e agência em se aproximar do ideal, encontrar a si mesmo — em uma boa foto, no dia do seu casamento, num movimento idêntico — exemplificando um protótipo. Há recompensas por obter sucesso sob o capitalismo e o patriarcado; há recompensas até mesmo por estar aberta a funcionar nesses termos. Não há nada sem ser recompensas, na superfície. A armadilha parece bonita. É bem iluminada. Ela te dá boas vindas.
Há um caso, como ressaltado por Donna Haraway em seu controverso ensaio de 1985 “Um Manifesto Ciborgue”, que entende a condição humana como essencialmente e fundamentalmente adulterada e em busca de um tipo de liberdade compatível com esse estado. “No centro da minha fé irônica, minha blasfêmia, está a imagem de um ciborgue”, ela escreveu. O ciborgue era um “híbrido de máquina e organismo, uma criatura da realidade social bem como uma criatura da ficção.” O fim do século 20 nos “fez ainda mais ambíguos sobre a diferença entre natural e artificial, mente e corpo, desenvolvimento próprio e mudança externa, e muitas outras distinções que costumavam aplicar a organismos e máquinas. Nossas máquinas estão perturbadoramente vivas, e nós mesmos estamos assustadoramente inertes.”
Haraway imaginava que as mulheres, formadas de uma maneira que nos faz inextrincáveis do maquinário e social e tecnológico, poderíamos nos tornar fluidas e radicias e resistentes. Nós poderíamos nos tornar ciborgues — moldadas a partir de uma imagem que não escolhemos para nós mesmas, e desleal e desobediente como resultado. “Filhos ilegítimos são frequentemente muito descrentes de suas origens. Seus pais, afinal, não são essenciais”, escreveu Haraway. O ciborgue foi “oposicionista, utópico e completamente sem inocência.” Ela poderia entender que os termos de sua vida sempre foram artificiais. Ela poderia — e que incrível possibilidade! — não sentir nenhum respeito por qualquer uma dessas regras pelas quais sua vida era guiada.
Na vida real, mulheres são muito mais obedientes. Nossas rebeliões são tão triviais e pequenas. Ultimamente, a mulher ideal do Instagram começou a se opor só um pouquinho contra as estruturas em torno delas. O argumento anti-Instagram agora é uma parte previsível do ciclo da vida da modelo/influenciadora de rede social: uma bela jovem mulher que passa por grandes dores para manter e performar sua própria beleza para uma audiência que eventualmente postará uma nota no Instagram revelando que o Instagram se tornou uma cova sem fundo de insegurança pessoal e ansiedade. Ela fará uma pausa de uma semana das redes sociais e, então, quase sempre, ela irá fazer exatamente o que fazia antes. A resistência ao sistema é quase sempre apresentada nos termos do sistema. É muito mais fácil, quando ganhamos agência, de usá-la para nos adaptar em vez de nos opor.
A tecnologia, na verdade, nos fez menos do que opositoras: no que diz respeito à beleza, nós usamos tecnologia não apenas para atingira s demandas do sistema, mas na verdade para expandir essas demandas. O reino de possibilidades para as mulheres tem expandido exponencialmente em todas as capacidades relacionadas à beleza — pense na extensão que as Kardashians experimentam em modificações corporais, ou jovens modelos que ganharam de seus cirurgiões plásticos rostos completamente novos — e permaneceram estagnadas de muitas outras formas. Nós não “otimizamos” nossos salários, nosso sistema de cuidados infantis, nossa representação política; nós ainda dificilmente ainda pensamos em paridade como algo realista nesses espaços, pior ainda no que diz respeito a conquistar a perfeição. Nós amplificamos nossa capacidade como elementos do mercado. Só isso.
Para sair disso, nós devemos seguir a ciborgue. Temos que desejar ser desleais, enfraquecer essa cultura. A ciborgue é poderoso porque ela alcança seu potencial em sua própria artificialidade, porque ela aceita sem questionara quão profundamente isso está entremeado nela. É possível que nós queiramos isso. Mas o que queremos? O que você iria querer — que desejos, que tipos de insurbordinação, você seria capaz de acessar — se você tivesse se tornado uma mulher ideal, gratificada e amada, prova da eficiência de um sistema que te amplifica e te diminui todos os dias?