Como subculturas digitais estão explorando o conceito de beleza ao experimentar novas expressões e estéticas que vão além do corpo humano.

Ao longo dos últimos anos, a artista islandesa Björk se tornou um expoente na experimentação de novas manifestações de seu corpo modificado por maquiagem, figurino e computação gráfica. Mas, ao mesmo tempo, uma subcultura das redes sociais cresce como um expoente crítico da noção de beleza contemporânea conforme suas imagens, performances e obras experimentam o corpo humano ao transmutá-lo em uma estética por vezes obscura e sempre provocativa.

Um dos veículos que estão divulgando esse discurso é o Dazed Beauty, lançado em setembro deste ano. Segundo Bunny Kinney, diretora editorial do grupo Dazed Media, “beleza já não é mais sinônimo de boa aparência. As pessoas [hoje] reconhecem beleza como uma forma de transformação, sendo que o assustador ou o feio também é parte disso.” Portanto, a página, que também conta com um perfil próprio no Instagram, tem como intenção “ampliar a mente das pessoas e conscientizá-las sobre o que é belo.” Desde então, suas imagens variam entre pessoas que exploram modificações corporais ou mesmo expressões de beleza não-binária e artistas que trazem o grotesco como uma nova identidade visual para esse ser humano parte monstruoso, parte metafórico de um momento em que a beleza inatingível e artificial pode, no entanto, acabar caindo na seara do assustador.

O brasileiro Rodrigo Alves ficou conhecido como “Ken Humano” por conta de seus procedimentos cirúrgicos e cosméticos. Ao perseguir um ideal estético de um brinquedo que reforça a ideia de beleza midiática, tais procedimentos acabam por levar o indivíduo a um outro patamar de expressão do corpo humano.

É o que acontece, por exemplo, com as celebridades e seus procedimentos cirúrgicos. A mesma plataforma de conteúdo, Dazed Beauty, publicou na semana passada um artigo de opinião comentando sobre o por que de nos sentirmos no direito de saber sobre a verdade por trás das cirurgias plásticas e/ou dietas realizadas por celebridades. Enquanto a autora reforça a questão da privacidade e da liberdade individual de cada indivíduo, o que ela acaba por ignorar é que celebridades, enquanto pessoas públicas, tornam-se marcas, empresas que precisam ter entre seus valores e propostas uma abordagem ética e transparente. Isto é, se celebridades comercializam sua imagem, não ser transparentes a respeito dela é equivalente a, por exemplo, uma empresa que promete ter uma abordagem mais humanizada na sua cadeia de produção, quando, na verdade, isso é só discurso.

Portanto, ao mesmo tempo em que celebridades como as irmãs Kardashian anunciam produtos de beleza e de dieta que sequer devem ter testado ou que talvez não funcionem (e por isso têm sido criticadas por artistas e ativistas como Jameela Jamil), elas também reforçam um ideal de beleza sustentado pela mídia e por uma estética machista. E tudo isso se dá em um círculo vicioso, porque ao mesmo tempo em que essas celebridades se beneficiam ao possuir esse ideal de beleza ou falsificá-lo através de cirurgias e Photoshop, elas próprias são vítimas daquilo que reforçam conforme a entropia se prova mais forte do que a força do mercado: envelhecer, engordar ou emagrecer, adoecer e morrer não fazem parte da agenda da beleza criada pela imaginação midiática.

Por isso, movimentos anti-beleza, como explica Kinney, propõem formas mais extremas de transformação que podem envolver procedimentos cirúrgicos (como bifurcação da língua) ou mesmo artistas experimentando com maquiagem, roupas, prostéticos e edição em softwares. “Beleza não é um conceito fixo. Há um aspecto artístico por trás do que eles estão fazendo”, reforça Kinney. Mais do que trazer o discurso da body positivity, é a exploração de novos ideias de beleza para além do humano que estão na pauta dessas subculturas digitais.

E apesar de serem movimentos isolados, de nicho, a ideia tem circundado no imaginário popular e chega ao mainstream também com grandes grifes como a Gucci. Durante o desfile de sua coleção de inverno 2018, a marca apresentou uma performance baseada no Manifesto Ciborgue de Donna Haraway conforme levava à passarela uma beleza transhumana e monstruosa com modelos carregando suas próprias cabeças ou então possuindo chifres e terceiros olhos. Segundo Alessandro Michele, diretor criativo da Gucci, “somos os Dr. Frankenstein das nossas vidas. Inventamos, juntamos, experimentamos.”

A modelo Melanie Gaydos tem revolucionado a indústria da moda ao propor um novo tipo de estética e de beleza a partir de sua própria aparência, caracterizada por sua rara disfunção genética conhecida como displasia ectodermal. Por conta disso, fotógrafos e artistas exploram sua aparência como forma de criar uma estética para além do humano.

Assim sendo, tal debate acaba por fazer parte da agenda transhumanista, ou mais especificamente do pós-gênero, uma vez que tais manifestações também perpassam pela ideia de usar a tecnologia como uma forma de transcender as capacidades humanas não apenas em sua funcionalidade, mas também em sua estética. É por isso que movimentos como o Cyborg Foundation estão explorando possibilidades como o Transpecies Society, que propõe um espaço de expressão para pessoas que não se identificam como humanos, mas como algo além e diferente — talvez de forma semelhante ao que a artista Hatti Rees, de 22 anos, faz ao criar alter egos virtuais ou ainda o artista australiano Jason Ebeyer, que vem desenvolvendo criaturas alienígenas inspiradas em “subculturas de internet, moda, erotismo e tecnologia.”

No Brasil, artistas como Aun Helden propõem essa estética em performances, fotografias, vídeos e músicas que desafiam classificações estabelecidas de gênero ou mesmo de espécie. O mesmo vale para Salvia: com mais de 175 mil seguidores, sua arte chama a atenção por trazer um ideal de beleza assustador, porém ainda dotado de elementos tradicionalmente vistos como belos e atraentes e que, dessa forma, reforçam o erotismo também ali explorado.

Para Alexia Inge, co-fundadora da loja de produtos de beleza online Cult Beauty, “homens e mulheres estão começando a se afastar totalmente do ideal prescrito de estética para se aproximar de algo muito mais relacionado à expressão pessoal. Eles estão passando por um processo de três anos de educação em maquiagem digital, do básico até a criação de camadas e detalhes, e agora eles estão começando a experimentar.” E é a partir dessas experimentações que se abre caminho para novas possibilidades de ideais de beleza e expressão do que é ser (pós-)humano na era da internet.

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