Como esse aplicativo baseado em blockchain e inteligência artificial está buscando conectar artistas do mundo todo e tokenizar valor estético pode trazer uma revolução na maneira como somos recompensados pela produção de dados.

Já imaginou uma rede social que é totalmente voltada e focada em estética? Como se fosse um Tumblr, mas sem propaganda, sem posts patrocinados, sem dados sendo vendidos para empresas desconhecidas e sem censura? Com a cada vez mais constante percepção de falta de privacidade, manipulação de dados por propaganda e patrocínio de conteúdo, mais pessoas e, em especial artistas, estão buscando uma outra forma de formar comunidades online sem depender desse tipo de estratégia. Em uma recente publicação da Dazed Digital, somos apresentados a uma nova rede social que promete ser autogerida pelos próprios usuários, transparente e baseada em inteligência artificial — esta é a New Life.AI.

Com uma interface nostálgica que lembra Blade Runner e software dos anos 90, a rede social é decentralizada e conta com membros como Johwska, Ines Alpha, Allan Berger, e Virgen María, sendo alguns deles já conhecidos por seus trabalhos de net art e filtros do Instagram com estética ciborgue, como já tratado por aqui. A rede, conforme descrita por seu criador Vector Newman (pseudônimo adotado para esse novo projeto), foi pensada para atrair artistas, pessoas interessadas em tecnologia, criptomoedas, designers e tudo o que há de intersecção entre esses grupos e aspirações.

A novidade, que encontra semelhanças na proposta da antiga Paratii, é que todo o conteúdo é criado e curado pela própria comunidade, de modo que assim seja gerado o chamado Coeficiente Estético (Aesthetic Quotient ou AQ), com o qual seria possível de “se encontrar padrões entre diferentes coisas que as pessoas acham bonito” e, desse modo, criar uma moeda real — algo que faz muito sentido às premissas de tokenização em plataformas baseadas em blockchain. “Não há nenhum chefe, nenhum executivo. Como fundador, estou administrando as pessoas, mas eventualmente eu quero que esse projeto seja gerido e possuído pela comunidade”, conta Newman em entrevista para a Dazed.

Segundo a reportagem, o aplicativo, que precisa de convite para que alguém possa testá-lo hoje, possui oito níveis gamificados. “Esse formato é o melhor para nós, porque a criatividade requer um humor que deve ser descontraído e excitante”, comenta Newman. Desse modo, cada nível desbloqueia diferentes funções do aplicativo, por exemplo um espaço para votação no qual os usuários são apresentados a vários posts da rede, os quais incluem conteúdos como os filtros de Instagram ou personagens em computação gráfica como influencers virtuais.

O usuário que vence o primeiro nível é convidado a avaliar a qualidade do conteúdo ao mantê-lo pressionado — quanto mais tempo o usuário pressionar a imagem, maior é sua nota. Isso faz com que um número seja medido e avaliado por um sistema baseado em inteligência artificial, de modo a criar uma espécie de “mente coletiva” sobre estética e beleza. “Quanto mais você vota com a comunidade, mais Newpoints você ganha. Quanto mais Newpoints você ganha, mais features você desbloqueia, mais peso terão suas notas no ecossistema cultural e mais tempo de exposição será dado para seu conteúdo. Há até um chatbot no estilo HAL 9000 com o qual você pode conversar”, descreve o artigo.

A cada ponto recebido, o usuário pode convertê-lo em uma criptomoeda chamada New Coin. “O valor da Newcoin é medido pela curadoria, a confiança e a criatividade dos usuários do app”, explica Newman. Em outras palavras, a ideia é que essa moeda seja um reflexo da autorregulação da própria comunidade e que se torne algo a ser usado em qualquer lugar do mundo, de modo que “um usuário do Sri Lanka pode votar em um conteúdo postado por um usuário mexicano e algum valor microscópico irá fluir entre os dois e ressoar em todas as outras pessoas”, complementa Newman.

No longo prazo, a plataforma tem como objetivo alcançar criativos que estão fora dos centros metropolitanos e que, ainda assim, tenham oportunidades iguais àqueles que moram em Londres, Paris ou Nova Iorque, por exemplo. “Por enquanto, meu principal projeto está focado em criar pontes entre países que não estão tradicionalmente inclusos no ecossistema criativo global, trabalhando com gravadoras e estúdios de filmes em Gana, Serra Leoa, Nigéria, Mali. Nós também trabalhamos com um board de experts em inteligência artificial de modo a otimizar os algoritmos”, explica o criador da New Life.

Todos esses termos, premissas e objetivos podem parecer um tanto utópicos e, particularmente, o fato de envolver blockchain, inteligência artificial e redes sociais, que são buzzwords fortíssimas no momento, faz com que mais pessoas tenham descrença com relação à plataforma. A reportagem, com um tom bem humorado, comenta sobre como o próprio logo da NewLife é uma releitura ao estilo Yohji Yamamoto do homem vetruviano de Da Vinci, isto é, é tudo contemporâneo demais para ser real.

“Ainda assim, Newman argumenta que a New Life.AI é necessária para retirar os meios de produção criativa dos homens engravatados do Vale do Silício. ‘A maioria dos gigantes da tecnologia estão trabalhando de acordo com o padrão de valoração do mercado de ações e agências de publicidade, que são baseadas em engajamento, têm como objetivo manter a atividade diária ao deixar o usuário plugado à tela’, diz Newman. ‘As redes sociais consideraram que o acesso livre às suas plataformas era suficiente para a troca de todo o trabalho de produção, curtidas e compartilhamentos. Algumas marcas fizeram muito lucro a partir disso, mas não há nenhuma compensação às grandes mentes que estão trabalhando coletivamente para construir isso.’”

Basta a nós, então, acompanhar as novidades em torno da plataforma e, se possível, adquirir um convite para testá-la na prática. Afinal, sua intenção é boa ao tentar conectar artistas fora dos pólos das capitais, bem como começar a implementar um sistema que paga pela produção de conteúdo de forma descentralizada e transparente, uma vez que calcada em tecnologias como o blockchain. Mas ao mesmo tempo em que passamos por uma bolha da internet na virada do milênio, podemos estar enfrentando uma queda na confiança e expectativa das criptomoedas enquanto ainda nenhuma plataforma ou serviço tenha se mostrado revolucionário o suficiente para realmente mudar o status quo.

Com a possibilidade de gigantes como o próprio Facebook passarem a adotar essa mesma premissa de criptomoedas, é possível que tenhamos uma alavancada e um apressamento para se lançar novas plataformas que ainda estão captando investimento e aprimorando seus algoritmos. Assim como aconteceu com a realidade virtual e a compra da Oculus Rift pelo Facebook, talvez a revolução comece primeiro pela adoção das grandes empresas para que o acesso se dê de forma mais abrangente e distribuída pelas bordas.

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